Um excelente artigo do Ricardo Noronha sobre a luta dos estivadores. O artigo pode ser lido na Ãntegra aqui.
«Definitivamente, a luta no sector portuário assemelha-se pouco aos protestos que costumam ser organizados pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), cujos poucos representantes presentes permaneceram extremamente discretos. Não se encontra aqui nenhum dos processos ritualizados a que nos tem habituado o movimento sindical: o discurso ao microfone foi curto, conciso e limitado ao essencial, a iniciativa nunca passou dos representados para os representantes, a dimensão internacional do conflito foi diversas vezes sublinhada, a ênfase no combate à precariedade e na solidariedade entre trabalhadores foi notória e, finalmente, os outros movimentos sociais e indivÃduos que acorreram para se solidarizarem foram recebidos com simpatia, mesmo se os acontecimentos recentes motivaram cautelas adicionais. Está em jogo, como é sabido, uma ofensiva que tem como objectivo assegurar o poder patronal nos portos, de forma a generalizar a precariedade e a promover a desqualificação numa profissão submetida a condições de trabalho particularmente duras e perigosas. Os estivadores são um colectivo de trabalhadores em luta que é também uma comunidade, desde logo porque a natureza mesma do seu trabalho torna a confiança mútua um elemento essencial à segurança de cada um. Quem já tiver visto um andaime a cair ou um túnel a abater-se sobre um operário da construção civil compreenderá facilmente a importância que pode ter a confiança absoluta no colega do lado, em sectores onde todos os instrumentos de produção são potencialmente perigosos.
Tornou-se entretanto um imperativo polÃtico quebrar a espinha a trabalhadores que desempenham um papel estratégico no actual momento da luta de classes em Portugal, marcando presença em todas as manifestações contra a austeridade e desencorajando, pela sua coesão e determinação, a repressão policial que o governo decidiu empregar no sentido de esvaziar as ruas de contestação. Acresce ao caso a facilidade com que os sectores empresariais afectados e ameaçados por esta greve – porque dependentes do trabalho portuário para exportar as suas mercadorias – têm conseguido obter o máximo eco na imprensa, onde carpem constantemente as suas mágoas pelos prejuÃzos provocados à «economia nacional» (ou seja, a eles próprios). A saber, o que parece provocar mais escândalo é o facto de um trabalho desta natureza, feito ao ar livre por operários vestidos de fato-macaco [macacão], proporcionar aos seus profissionais uma remuneração que não se limita a assegurar uma existência remediada. E temos assim os mesmos (sempre os mesmos) que não se cansam de repetir que a gigantesca desigualdade de remunerações no interior das empresas portuguesas – que permitem a um administrador ganhar 260 vezes mais do que a média salarial dos trabalhadores que administra – é um facto normal e que decorre do funcionamento da economia de mercado (mesmo no caso de empresas em situações monopolistas de facto, como é o caso da EDP ou da Portugal Telecom), a clamar agora contra os privilégios injustos de quem maneja as cargas e descargas nos portos.»
Nota: Por iniciativa do autor e após aviso de um trabalhador do sector, este texto foi corrigido, sendo retirada a parte relativa ao controlo sindical sobre a admissão e colocação de trabalhadores. O (lamentável) erro foi motivado por declarações de empresários do sector e do presidente do Instituto Portuário e dos Transportes MarÃtimos. A acusação de nepotismo merecerá resposta ulterior. Até lá, e como se fala de filmes, sugere-se a Helena Matos que nos conte como foi isto e o que lhe podemos chamar em polÃtica.
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É simplesmente brilhante. Pena é que poucas pessoas entendam e se solidarizem com o que aqui é dito.
Olá,
Endosso completamente o que disse a Nádia. É um texto fundamental – de uma luta admirável e que merece nossa atenção e solidariedade.
Parabéns ao Ricardo Noronha pelo excelente escrito – e para o João Valente, por divulgá-lo aqui.
Um abraço, desde o Brasil, recheado de internacionalismo.
Parabéns Ricardo Noronha pelo excelente artigo. E obrigado ao João por tê-lo republicado.