Urso de Ouro em Berlim 2012, o capÃtulo mais recente da obra dos irmãos Taviani encontra-se entre a ficção e a realidade. O filme aborda um suposto projecto artÃstico realizado numa cadeia de alta segurança italiana, em que a peça clássica de Shakespeare sobre o homicÃdio de Júlio César é interpretada por diversos presos. O projecto não existe e portanto não é um documentário puro. Contudo, os actores de César Deve Morrer são precisamente os reclusos em questão, escolhidos pelos realizadores para desempenhar estes papéis, pelo que a fusão com a realidade é inevitável.
Depois de um excerto final da peça com uma forte carga metafórica e de, dadas as circunstâncias, um casting original e delicioso, vamos assistindo aos respectivos ensaios, incluindo preparativos, cenas na Ãntegra e algumas discussões entre os presos. Onde a ficção e o texto escrito esbarram na realidade filmada não é claro e essa fronteira difusa é bem interessante. Seja como for, um dos principais factores a referir é que o trabalho peculiar desta direcção de não-actores é notável. De tal forma, que, não sendo actores profissionais, aparentam sê-lo.
Outros aspectos relevantes são o espaço explorado entre o estatuto de presos e a liberdade concedida pela representação (a cena inicial é paradigmática) e também a reflexão sobre uma espécie de redenção através da arte, sem, contudo, desculpabilizações baratas para gente pouco amigável, onde se encontram barões da Máfia e/ou homicidas. Talvez César Deve Morrer ganhasse mais em termos psicológicos se o contacto entre os presos (eles próprios) sobressaÃsse mais, mas nem esse aparenta ser um objectivo dos irmãos Taviani, nem seria fácil fazê-lo sem derrubar algumas barreiras éticas.
Assim, complementado com uns interlúdios musicais mais melancólicos e contemplativos, César Deve Morrer é um filme bonito e, acima de tudo, que respira honestidade e cumplicidade entre os intervenientes. O que, dada a originalidade da abordagem, é motivo suficiente para merecer francos elogios.
7/10
Concordo consigo. A dignificação através da arte. Enquanto assistia ao filme, veio-me várias vezes à memória o livro Cadernos da Casa Morta, de F. Dostoiévski.
Concordo. A dignificação através da arte. Enquanto assistia ao filme, veio-me várias vezes à memória o livro Cadernos da Casa Morta, de F. Dostoiévski.