Esta frase de Franz Neumann, um dos mais importantes historiadores do nazismo e membro destacado da Escola de Frankfurt, aparece transcrita num importante artigo do colectivo Passa Palavra sobre os perigos da penetração do nacionalismo à esquerda.
Na linha do que eu próprio já aqui escrevi há alguns meses, o nacionalismo representa a incapacidade para se raciocinar e pensar a realidade socioeconómica fora dos marcos nacionais. Para ser mais exacto, a dinâmica da análise do capitalismo tem sido transferida da compreensão dos seus aspectos económicos e polÃticos de classe para uma oposição entre nações. Oposição entre nações que 1) tanto se refere à s posições que se assumem abertamente contrárias e adversárias de outros paÃses (geralmente a Alemanha), como 2) se refere contrária à criação de um espaço supranacional (seja dentro do capitalismo seja enquanto horizonte de luta pelo socialismo), sendo favorável à manutenção de um espaço europeu de nações independentes entre si. E assim temos dois pólos de um mesmo fenómeno nacionalista a fermentar. Onde os mais extremistas defendem abertamente que o problema da austeridade radica na Alemanha (portanto, a austeridade seria um ataque de ordem colonial/ocupante e não mais económica), outros há que querem manter um quadro de nações independentes, numa versão vestfalliana retardada. Sintoma destes tempos tenebrosos, o objectivo comunista centenário de uma terra sem amos é cada vez mais substituÃdo por um novo princÃpio: uma terra portuguesa sem amos alemães.
O interessante deste artigo do colectivo Passa Palavra tem a ver com o acrescento que eles desenvolvem em torno da ligação entre o nacionalismo e a tese da oposição entre capital financeiro e capital industrial. Quando interrelacionados entre si, é daqui que têm surgido as mobilizações de movimentos fascistas motivados pelo desejo de unir trabalhadores e pequenos capitalistas indutriais contra a finança internacional.
Como de costume, se calhar estou a ser demasiado optimista perante o irracionalismo que tem varrido a maioria da esquerda portuguesa, mas o perigo da actual conjuntura deveria levar todos os que seriamente se comprometem com a luta dos trabalhadores a ler com preocupação e a debater sem preconceitos o artigo mencionado. Enquanto a esquerda não se libertar da ganga nacionalista «podem os capitalistas ficar descansados».
Felizmente a tua seita revisionista do marxismo não passa disso mesmo: uma seita revisionista.
Em nome da deturpação da palavra/etiqueta “nacionalista” cria-se um discurso de justificação dos piores e mais perigosos aspectos do capitalismo mundial: imperialismo e colonialismo. Branqueia-se os criminosos e criminaliza-se as vÃtimas. O assalto para a destruição económica, social, cultural e humana da periferia está justificado.
Em nome deste discurso fraudulento, de um falso internacionalismo, procura-se apagar toda a história da luta dos povos pela auto-determinação e quase toda a história da luta dos trabalhadores pela auto-organização.
É um discurso que recorda a lógica dos prémios (ig)nóbeis, como o último atribuÃdo à União Europeia:
Paz sim a dos cemitérios, internacionalismo sim o da opressão colonial neo-nazi e um anti-estatismo apologista de super-estados modelados nos super-imperialistas Estados Unidos (EUA).
E quanto à s ganga de esquerda. Eu imagino é que os capitalistas podem ficar mais que descansados com a seita do passapalavra. Podem ter novos quadros em processo de maturação – esta vossa conversa lembra-me bastante o Fernando Henrique Cardoso, mas cá em Portugal, felizmente, os intelectuais não montam um movimento eleitoral com duas de treta.
E se deixasses de pensar unicamente no campo das proclamações e debatesses questões concretas? Só sabes debater na base de chavões e de acusações patetas como a do Fernando Henrique Cardoso e da plataforma eleitoral? (Aliás, se conhecesses alguma coisa dele terias aprendido que ele distingue-se muito pouco das tuas posições de divisão e de exploração de umas nações por outras, mas como o interesse em querer atribuir falsidades à s pessoas é mais forte do que a razão…). Interessante também a tua visão com que classificas as coisas: “um movimento eleitoral”… E assim a esquerda nacionalista se dispensa de pensar fora do quadro eleitoral e do esquema da soberania nacional…
E já que mencionas o passa palavra só uma nota. Faço minhas as palavras do Mário Viegas sobre o assunto e que foi recentemente tÃtulo de um artigo deles: “Europa não, Portugal nunca”! Enquanto a esquerda não perceber este slogan só continuará a conduzir a novas tragédias que de anticapitalistas nada tiveram e nada terão… E quando me refiro ao slogan não me refiro só ao seu sentido mais óbvio mas a todo um conjunto de princÃpios que lhe subjazem.
É pouco inteligente deixar as coisas ao nÃvel do insulto do “revisionismo”, pois o marxismo pressupõe luta de classes para combater o capitalismo. Luta essa que está acima das nações. Onde está o revisionismo?
O problema é que não existem hoje quaisquer órgãos internacionais capazes de lidar e combater o capitalismo eficazmente, tal como se tem admitido no passa palavra. Não sei se neste colectivo são a favor de tomar o poder pelas armas, se respeitam a democracia burguesa, se esperam que ela caia de madura, ou se o golpe final só se pode dar quando os trabalhadores estiverem totalmente auto-organizados (quiçá depois de serem todos raptados e de lhes ser feita a devida lavagem cerebral), o que quer que isso signifique. Começar por efectuar resistência a nÃvel nacional, solidarizando-se os trabalhadores portugueses com as lutas dos trabalhadores de outras nações, é visto por eles como potencial fascismo. Querer ganhar eleições e esperar que movimento semelhantes ganhem eleições noutros paÃses é visto como nacionalismo. É aqui que alguma coisa falha, a meu ver, porque não vejo que programa de acção têm, ou sequer se têm, como acabou por não ficar patente no artigo que publicaram há umas semanas. “Não sei por onde vou, sei que não vou por aÔ.
Se a luta de classes está acima das nações ela não está no entanto acima das pessoas – a luta de classes não acontece nas nuvens. Eu teria algum cuidado antes de pensar que as pessoas estão dispostas a abdicar de uma afectividade especÃfica pelo seu paÃs.
Eu não estou.
E por cada João V. Aguiar, ou mesmo Mário Viegas, que diga “Portugal nunca”, há 99 portugueses que dizem “Portugal sempre”, portanto se há um slogan que é o de uma derrota certa para a esquerda é esse da “Europa não, Portugal nunca”. Por mim há poucas coisas mais espúrias para quem se diz comunista do que deixar o patriotismo entregue aos fascistas.
Por mim, sou patriota e comunista e assim é também o PCP.
«Eu teria algum cuidado antes de pensar que as pessoas estão dispostas a abdicar de uma afectividade especÃfica pelo seu paÃs». É essa a sua noção de patriotismo/nacionalismo? Quer dizer, eu gosto de praticamente de todos os pratos da gastronomia portuguesa e isso faria logo de mim nacionalista? Se eu gostar de viver e de andar pelas ruas e cidades de um determinado paÃs isso faz de alguém nacionalista? Se o nacionalismo fosse só a afectividade por alguns aspectos culturais/afectivos acha que alguém se preocupava com o mesmo? O que me interessa no nacionalismo é o que ele comporta em termos de “regeneração” nacional classista extremamente violenta do capitalismo como abordei noutro comentário: a nação implica uma dominação de classe. A libertação nacional implica uma nova hierarquia e uma nova classe dominante.
Sobre o “Portugal sempre”… Eu em vez de pensar que não quereria deixar o patriotismo entregue aos fascistas, começaria por pensar porque é que andaria a partilhar as mesmas bandeiras e porque andaria ajudar ao seu crescimento. Ou você acha que o crescimento da extrema-direita francesa ou italiana se deu em bastiões de partidos comunistas por obra do acaso? O fomento do que você chama de patriotismo redunda sempre na sua apropriação por forças à direita. E enquanto a esquerda não perceber esse movimento de apropriação e circulação de temas, de slogans e de concepções entre si e o fascismo nunca compreenderá este último e nunca se compreenderá a si mesma.
Você não entende uma coisa muito simples. Não interessa o que você pensa, a maioria das pessoas tem uma afectividade especial pelo seu paÃs – o que chamamos patriotismo. E portanto se você quer andar a rodar no vazio com essas teses, é com você. E insisto – é entregar o patriotismo para os fascistas.
Não há nada melhor para o fascismo do que uma esquerda cheia de certezas e de verdades absolutas.
“Ou você acha que o crescimento da extrema-direita francesa ou italiana se deu em bastiões de partidos comunistas por obra do acaso?”
Você já alguma vez pensou que esse crescimento de que fala se deveu precisamente a ideias como as suas no seio dos partidos comunistas de que fala. Enfim, ponha um partido em Portugal a dizer “Portugal nunca” e fique à espera que as massas de portugueses adiram à ideia. Recomendo-lhe um banco para esperar sentado.
As ideias que eu defendo acho que nunca sequer fizeram parte de quase ninguém no PCF (então de 1945 em diante praticamente ninguém mesmo) e no PCI sempre foram Ãnfimas e na primeira metade de 60 já não lá estava ninguém. Aliás, como é possÃvel alguém ainda hoje esquecer-se que sempre que os partidos comunistas se lançaram em aventuras nacionalistas ou foram abatidos barbaramente (como na Indonésia) ou foram substituÃdos pelos nacionalismos à direita? Como é possÃvel alguém ainda hoje esquecer-se de todos os slogans nacionalistas do socialismo à francesa ou à italiana e que levaram a classe operária daqueles paÃses para os braços do nacionalismo. Sim, foi esse patriotismo pretensamente socialista que depois se desenvolveu e foi apropriado pela extrema-direita. De Paris a Jacarta, de Roma a Luanda.
Já agora, porque a extrema-direita é hoje tão bem organizada e armada na antiga pátria do socialismo? Porque acha que a extrema-direita russa sempre teve uma força larvar importante mesmo durante o perÃodo da segunda guerra mundial? Claro que você pode dizer que o Vlassov foi um traidor e uma excepção, mas eu interrogo-me como na pretensa terra dos sovietes se foi desenvolvendo uma das direitas mais racistas e violentas actualmente existentes. Seria realmente a terra dos sovietes ou o que você candidamente chama de patriotismo não tem funcionado como gatilho do nacionalismo mais extremo? Os exemplos históricos são demasiados para que possam ser abordados de modo tão leviano e imprudente.
Desde quando é que o PCP é um partido nacionalista? Desde quando é que o PCP anda a dizer que os portugueses são uma raça superior? Que eu saiba o interesse do PCP é por Portugal não enquanto raça ou nação superior à s outras, mas como paÃs pelo qual os portugueses em sua vasta maioria se ligam afectivamente. Se você acha que esta afectividade dos portugueses pelo seu paÃs é um erro, que o povo tem de ser convencido que a sua afectividade pelo seu paÃs é um erro, então você, a meu ver, é uma espécie dom quixote.
Com ideias como as suas os partidos da situação nem precisam de se esforçar para reunir apoio do povo contra a esquerda – basta apenas citar as suas palavras.
«Desde quando é que o PCP é um partido nacionalista? Desde quando é que o PCP anda a dizer que os portugueses são uma raça superior?»
Nunca escrevi que o pcp acha que os portugueses são uma raça superior. Isso já é andar a inventar… O racismo é o culminar mais profundo do nacionalismo, mas isso não quer dizer que todo o nacionalismo seja um racismo. Por exemplo, apesar de todos eles serem fascistas, o fascismo mussoliniano distinguia-se do nazismo no modo como ambos percepcionavam estas questões. Enquanto o fascismo italiano era profundamente nacionalista, o nazismo ia ainda mais longe e a nação era até subsidiária da raça ariana, essa sim, uma emanação do sangue e da “pureza” que os alemães (enquanto indivÃduos concretos) apenas seriam portadores desse sangue a reproduzir para as gerações vindouras. Ainda sobre este assunto, o fascismo húngaro parece ter-se oposto à entrega de dirigentes judeus aos nazis até determinada altura e só altamente pressionado pelos nazis é que lhos entregou. Portanto, se o racismo (nos termos que descrevi do nazismo) é uma expansão extrema do nacionalismo, não quer dizer que ambos coexistam perfeitamente.
Ora, o nacionalismo tem a ver com o primado que se dá à nação. E o mais triste disto tudo é que a esquerda de hoje ainda tem uma concepção mais recuada do que as que o Lénine (em 1914) e o próprio Stáline (em 1913) defendiam no seu tempo. Isto porque, apesar de tudo, as lutas nacionais para eles, naquela altura, eram 1) funcionais à luta mais geral da classe trabalhadora e 2) só eram admissÃveis sobretudo em paÃses onde a revolução burguesa ainda não se tinha dado (ou não se teria dado, mas isso é outra questão). Ora, hoje que vivemos plenamente em capitalismo, é triste assistir ao mecanicismo com alguma esquerda transpõe esquemas contextualizados para a época em que foram produzidos. O que não quer dizer que eu ache que o Lénine ou o Stáline tivessem razão no seu tempo (pessoalmente acho a Rosa Luxemburg muito mais avançada). Mas voltando ao nacionalismo hoje. O nacionalismo prende-se, como disse acima, com o primado da nação. E isto significa uma coisa muito simples: a agregação da classe trabalhadora numa unidade nacional junto com outras classes exploradoras. E mais ainda, classes exploradoras que face ao primado da nação conferem ao poder do Estado um peso muito maior do que no capitalismo privado clássico. E esse poder do Estado se cresce – como cresceu na União Soviética – isso deve-se ao facto de que também cresceu o domÃnio e o poder de uma classe dominante que a partir do estado explorava economicamente os trabalhadores: apropriava o excedente económico e detinha o poder de decisão sobre o processo de trabalho e sobre o conjunto da sociedade. Não se trata de maldade ou de manipulação, mas de uma dinâmica estrutural. E os perigos do nacionalismo são estes: a substituição de um capitalismo já por si extremamente explorador e nocivo para os trabalhadores por um outro capitalismo ainda mais violento porque para se manter e para sobreviver em espaços económicos obsoletos e arcaicos como Portugal, só se poderão manter por intermédio da violência e de um forte aparelho repressivo. Enquanto você continuar a desviar a conversa para a “afectividade” (como se alguém que se reclama internacionalista alguma vez estivesse preocupado com a comida ou com os costumes culturais existentes num paÃs ou numa região) toda esta dinâmica que eu descrevi continuará oculta. E os perigos de se lançar a classe trabalhadora para um novo buraco tenebroso continuará bem vivo.
A dinâmica que você não entende é que uma polÃtica de esquerda tem de começar com o apoio da maioria das pessoas em actualidade e as pessoas em actualidade tem sentimentos patrióticos de que não abdicam. Não perceber isto é lançar a polÃtica de esquerda para um idealismo sem retorno.
Depois, se você fala de polÃtica revolucionária tenho que informá-lo que ela não existe sem risco, inclusive o risco de se perder para o fascismo. Como sabe, num momento revolucionário há uma fase em que não há controlo polÃtico organizado e essa fase é a do risco em que o jogo fica aberto à s mais variadas tendências. Você pensa que pode eliminar ou diminuir o risco propondo à s pessoas que abdiquem do seu patriotismo eu penso que essa proposta aumenta o risco.
Eu não nego que exista patriotismo nas pessoas. Bem pelo contrário. Como se já não bastasse a ideologia dominante, a esquerda nacionalista aproveita para o fomentar e difundir ainda mais. Isto é que é criticável. Se eu levasse o seu raciocÃnio à letra, então como grande parte dos operários homens são machistas, as organizações de esquerda também teriam de o ser??
Sobre o que você fala de “risco de perder para o fascismo”. O fascismo só vence a classe trabalhadora quando esta se encontra desarticulada e quando a maré de lutas está na mó de baixo. O fascismo não vence uma classe trabalhadora organizada. Pelo contrário, o fascismo capta a classe trabalhadora depois desta perder importantes lutas polÃticas. Derrotas essas que derivaram tanto da acção das classes dominantes (exemplo, conluio dos liberais perante a ascensão dos fascistas italianos e alemães, etc.) como de práticas e de discursos ambÃguos que por vezes o movimento operário foi difundindo no seu seio. É desta articulação que o fascismo mais violento nasce. E enquanto a esquerda não quiser combater e debater as ambiguidades e os becos do passado as condições para que surjam novas experiências totalitárias estarão aà ao virar da esquina…
“Não se trata de maldade ou de manipulação, mas de uma dinâmica estrutural. E os perigos do nacionalismo são estes: a substituição de um capitalismo já por si extremamente explorador e nocivo para os trabalhadores por um outro capitalismo ainda mais violento porque para se manter e para sobreviver em espaços económicos obsoletos e arcaicos como Portugal, só se poderão manter por intermédio da violência e de um forte aparelho repressivo.”
Mesmo nas correntes liberais umas defendem mais intervenção do Estado do que outras, numa fase transitória para uma época de mercado verdadeiramente livre. Pois bem, aqui a diferença é entre os autonomistas que defendem que a transição se deve dar sem a intervenção do Estado, e os comunistas, que defendem que sem haver Estado, a transição não é possÃvel. Parece-me exagerado defender que a existência de Estado redunde sem excepções em autoristarismo. Cabe aos autononomistas/anarquistas reconhecer que apenas através de uma insurreição armada se poderia obrigar a maioria das pessoas a “concordar” com a abolição imediata dos Estados.
O próximo passo da UE pode ser o surgimento de Syrizas que defendem por um lado um “nacionalismo” à PCP o que não os impede de defender a permanência na UE e, quem sabe, posterior federalização e constituição dos Estados Unidos Socialistas da Europa, dependendo de como as coisas acontecem nos outros estados-membros.
E a defesa de uma UE socialista, onde vivem meras 400 milhões de almas, no meio de 7 mil milhões de habitantes do planeta, também é visto como nacionalismo?
Eu não acho que seja possÃvel uma abolição imediata dos estados, mas falo da necessidade de não se querer colar a luta ao nacionalismo, o mesmo é dizer à construção de um capitalismo de estado.
Por outro lado, eu não defendo a UE e as suas polÃticas. E não vejo a necessidade de se alargar a luta na escala internacional meramente ao espaço europeu. Mas por causa da crise do euro este tem sido um espaço privilegiado de reflexão, para a acção.
Um dos becos do passado de que você fala foi esse internacionalismo idealista – o mesmo que levou muita gente nos paÃses do Pacto de Varsóvia a ressentir-se contra os seus partidos comunistas e à subserviência a Moscovo.
Ver tanques internacionalistas de Moscovo na Hungria deve ter feito maravilhas pelo internacionalismo, os húngaros devem ter adorado a visão do exército russo a ocupar as suas ruas.
Não sei se você está a ser irónico ou simplesmente está a meter os pés pelas mãos. Para o caso de ser a segunda hipótese resta-me lembrar que a invasão soviética foi a afirmação de um nacionalismo de Moscovo sobre um dos seus paÃses satélites…
Pois claro meu caro JVA, a invasão da Hungria pelos soviéticos era expressão do nacionalismo de Moscovo.
Já hoje em a destruição da dos paÃses periféricos pela Alemanha dentro da União Europeia é outra coisa, não é? Nacionalismo alemão, o Euro e a UE, nem pensar nisso!!
Chama-lhe internacionalismo, chama-lhe…
Rocha, onde é que eu alguma vez defendi as polÃticas de austeridade da UE? E onde é que eu nego que não existe nacionalismo na Alemanha? Aliás, uma das razões que eu defendo para a não saÃda do euro é precisamente a ampliação a graus imprevisÃveis dos nacionalismos actualmente existentes em Portugal, Alemanha, etc.
Entretanto,as forças da ‘ordem’ vão ter um aumento salarial de 13.6%.Ninguém diz nada,nem antevê o que aà vem?????DEeixem-se de merdas,o fascismo está aqui!
Continua a desalmada, viciosa, desonesta e cretina amálgama entre «nacionalismo» e «patriotismo». É fartar vilanagem !.
Continua a desalmada, viciosa, desonesta e cretina amálgama entre discussão polÃtica e a ausência de argumentos dos nacionalistas. É fartar vilanagem!
Como não ver que o nacionalismo seja a Sul, seja a Norte da Europa e a via da desagregação da UE só podem levar a uma maior corrosão ainda do que resta de “Estados sociais”, de direitos e liberdades secularmente conquistados, a horizontes de rivalidade bélica , à balcanização e à s ditaduras, em proveito – de quem ou de quê? Não, sem dúvida, dos trabalhadores; não das perspectivas de democratização das instituições e das relações de poder, não à derrota (mas antes ao reforço) da dominação hierárquica… mas, talvez, em proveito de potências emergentes (anti-imperialistas?) como a RPC. Será essa a ideia? O grande plano geoestratégico? A via directa para a “terra sem amos” a que os novos pastores nos conduzirão?
msp
Queria só lembrar que o nacionalismo não é necessariamente mau – inspirou já muitas e importantes lutas emancipatórias (desde as antigas colónias Europeias a Cuba). Não pode é ser discutido em abstracto, fora dos contextos historico-sociais (nacionais!) que lhe dão forma. Também não devemos subestimar o potencial polÃtico do ‘sentimento patriótico’ – associado a uma lÃngua, a uma geografia, a paisagens, a modos de estar e viver (gastronomia, etc.), a uma história colectiva, a um quotidiano (parcialmente) partilhado, coisas simples, para muitos até ‘pirosas’, mas que tanto dizem a tanta gente (para o bem e para o mal). Em Portugal, o nacionalismo, felizmente, não é uma coutada da direita (mercê do 25 de Abril, que foi um projecto colectivo entendido como nacional – nomeadamente através da acção do MFA). Esse conteúdo revolucionário ainda o anima, e é demasiado importante para ser desperdiçado. A questão da soberania nacional (que sempre incomodou o capitalismo) continua a fazer sentido, e deve ser a base de qualquer movimento que se queira minimamente internacionalista. Quanto à s teses de mundialismo, império e multitude (à la Hardt e Negri), estão, na maior parte dos casos, demasiado próximas das premissas da globalização (um outro nome para o capitalismo transnacional – que aliás, nem é assim tão transnacional quanto isso…) para poderem apontar para alternativas credÃveis e verdadeiramente inspiradoras.
Agradecia que me explicassem uma coisa. Entre o «nacionalismo» e o «patriotismo», qual é o bom e qual é o mau?
A meu ver e em termos simples diria que o patriotismo não implica o sentimento de superioridade em relação a outros povos e baseia as relações internacionais no respeito pela identidade de cada povo e pelo amor de cada povo pelo seu paÃs; já o nacionalismo, a meu ver, parte do princÃpio que a nação e o povo é superior por mandato divino, mÃstico ou genético à s outras nações e povos.
A meu ver, portanto, o patriotismo é esclarecido e o nacionalismo é obscurantista.
Essa crença na independência de cada nação é nada mais nada menos do que nacionalismo… Não se esqueça que se existe nação é porque existe Estado. E se existe Estado é porque existem classes. E se existem classes é porque existe exploração, logo se você defende a nação, em última instância, está a negar o socialismo. Coloquei isto de uma maneira muito simples mas seria bom que as pessoas pensassem sobre o que realmente implica o nacionalismo. Pelos vistos, o que interessa a alguns é mais uma versão do capitalismo de estado com uma nova classe dominante a extrair excedente económico dos trabalhadores a partir do aparelho de estado, com os sindicatos a controlarem uma parte significativa do salário dos trabalhadores, com o controlo das empresas por gestores nomeados pelo estado/partido deixando os trabalhadores à sua mercê, etc.
João,
Desculpa lá, mas “…se existe Estado é porque existem classes…”? O Estado é a estrutura de que uma comunidade se serve para exercitar o seu poder soberano. Não me parece que uma sociedade sem classes – o que quer que isso seja – pudesse ser funcional sem um aparelho de Estado. O Estado não é uma classe, é uma estrutura, é uma forma de organização, não é intrinsecamente nem bom nem mau.
Caro Nuno, não concordo. Claro que o Estado não é uma classe, mas, no caso dos capitalismos de estado, ele é a estrutura centralizadora dos recursos e do excedente económico apropriados por uma classe. E uma classe organizada a partir do aparelho de estado. No caso dos capitalismos privados, o Estado é a empresa de coordenação geral dentro de um território nacional para ajudar à organização da exploração económica do conjunto da classe dominante. De referir que a nação deriva da existência de estados ou da aspiração à construção de novos estados (por exemplo, os bascos). Não há autonomia nacional real sem um estado. E esse estado, por implicar dentro de si mecanismos de separação entre dirigentes e dirigidos, tem sempre algo de organizativamente hierárquico. E aqui estou a referir-me apenas à sua estrutura interna. Porque se passarmos para a relação do estado com as classes, então basta ver todas as polÃticas económicas dos estados para se perceber como elas beneficiam sempre as classes dominantes. O estado não é uma classe, mas é de classe.
O nacionalismo é o mau e o patriotismo é o bom. Se estou enganado, corrija-me por favor.
Um dia a maioria de vós vai perceber que o nacionalismo não é um fenómeno essencialmente cultural, mas biológico. Estamos programados para projectar os nossos genes nas gerações futuras, ou os genes mais próximos dos nossos, e isso leva a uma preferência pelo nosso clã, pela nossa tribo, pela nossa nação. É um processo instintivo, e portanto não-ideológico. Ora como isso é gerador de conflitos, de discriminações, de opressão, é natural que se queira suplantar esse mecanismo exclusivista, mas duvido que lá se chegue pela via ideológica ou pela afirmação da consciência de classe. As migrações internacionais – e as feromonas – acabarão por fazer mais pela diluição do nacionalismo do que qualquer cartilha ideológica, por muito bem intencionada que seja. Era bom que começássemos a integrar algumas noções da sociobiologia no nosso discurso polÃtico.
Na minha perspectiva, é absolutamente infrutÃfero debater “nacionalismo” ou “patriotismo” no abstracto, pelo menos de um ponto de vista marxista. Também acho demasiado redutora a relação de causalidade simplista entre estado->nação. Aliás, a definição deste último conceito é bastante problemática nas ciências sociais contemporâneas. Seja como for, no caso português, é óbvio que a nação é fruto do surgimento de um estado independente, numa época especÃfica, com condicionantes históricas especÃficas. O socialismo que queremos construir terá de partir destas bases, a não ser que queiramos que seja a negação da realidade objectiva, logo, idealista. Lamentavelmente, teremos de construir o socialismo partindo de sociedades com estados, classes e exploração. Os trabalhadores destas sociedade obviamente que estão impregnados com noções desta realidade. Demasiadas vezes os marxismos, sejam os “tradicionais” ou os “revisionistas”, tendem a desprezar questões identitárias, como a lÃngua, cultura, “raciais”, religiosos, etc., que se interpenetram com as questões de classe.
No entanto, não é aà que queria chegar. Discutir o nacionalismo ou patriotismo no plano abstracto não faz sentido nenhum. Ainda vivemos num capitalismo imperialista, no qual a luta dos trabalhadores das nações imperialistas se complementa com a luta dos trabalhadores (e, não raras vezes, com a pequena burguesia) dos paÃses colonizados, polÃtica ou económicamente. Nestes paÃses, a questão nacional é fulcral. Logo, nestes paÃses o “nacionalismo” ou “patriotismo” assume um carácter progressivo, na medida em que aprofunda objectivamente a luta contra o capitalismo imperialista. Ou seja, tudo depende do contexto histórico-económico ao qual pretendemos aplicar uma determinada polÃtica. Ou ide lá dizer aos palestinianos que a sua luta pela libertação nacional é “reaccionária”, porque não apela.
Penso ser óbvio que o imperialismo acentua a contradições nacionais, isto é, as contradições entre nações compostas por classes. É óbvio que a luta dos portugueses e gregos é uma luta contra os interesses da alta finança alemã, a qual usa o armamento polÃtico para nos privar de soberania nacional. Logo, a reposição da soberania nacional seria um avanço objectivo na luta contra a finança alemã, mesmo no quadro de uma democracia burguesa. O papel dos marxistas seria de propagandear no sentido de que a luta pela soberania portuguesa ou grega contra a ingerência alemã não é uma luta contra os trabalhadores alemães, além de deixar claro que as alianças com a alta burguesia não aprofundam esta luta pela soberania. Por último, deixar claro que a luta pela soberania não é um fim em si mesmo.
Um internacionalismo consequente tem de partir destas realidades e saber analisar cada caso consoante o contexto histórico-económico e, sobretudo, mais uma vez se queremos partir de um ponto de vista marxista, saber ler Marx, Engels e Lenin. Se é verdade que Marx dizia que os proletários não têm pátria (uma frase cujo teor parcialmente agitacional frequentemente se despreza, além de se ignorar o contexto e o propósito polÃtico de um opúsculo como o Manifesto Comunista), ele também nos ensinava que o proletariado de um determinado paÃs tinha, primeiro, de tomar o poder polÃtico de uma nação, isto é, tornar-se a nação. Enfim, o elemento nacional e internacional conjugam-se e é sempre necessário saber ajustar a nossa análise e caracterização à realidade histórico-económico, fugindo a fórmulas redutoras e postulados do género “ou 8 ou 80”.
É uma polémica velha, esta. Assim de repente, lembro-me do texto do Lenine, o qual, apesar de obsoleto em determinados pontos (por exemplo, acho igualmente simplista reduzir o conceito de nação à lingua), continua a veicular lições importantes, especialmente contra alguns sectores da esquerda que insistem em pôr o carro à frente dos bois.
Desculpem lá se há algumas gaffes ou erros ortográficos de permeio, mas tive de escrever isto à pressa.
E viva a greve geral!
Errata: no final do segundo parágrafo: “Ou ide lá dizer aos palestinianos que a sua luta pela libertação nacional é “reaccionáriaâ€, porque não apela [ao internacionalismo proletário].
no final do terceiro parágrafo: “além de deixar claro que as alianças com a alta burguesia [do nosso próprio paÃs] não aprofundam esta luta pela soberania”
Por último, o texto do Lenine que menciono é o “Sobre o Direito das Nações à Auto-Determinação”, legÃvel aqui: http://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/auto/cap01.htm
Por pontos.
1- «Lamentavelmente, teremos de construir o socialismo partindo de sociedades com estados, classes e exploração. Os trabalhadores destas sociedade obviamente que estão impregnados com noções desta realidade».
Ninguém nega isso Tiago. O problema é não se querer romper com o estado e com a exploração. O problema não é o ponto de partida, mas antes querer que o ponto de chegada fique aquém do ponto de partida.
2 – «É óbvio que a luta dos portugueses e gregos é uma luta contra os interesses da alta finança alemã, a qual usa o armamento polÃtico para nos privar de soberania nacional. Logo, a reposição da soberania nacional seria um avanço objectivo na luta contra a finança alemã, mesmo no quadro de uma democracia burguesa».
Aqui você replica completamente o que eu e outros temos criticado. Não se trata de uma luta de portugueses ou de gregos mas de uma luta dos trabalhadores… E não é uma questão semântica. Porque portugueses também o são o Belmiro de Azevedo, os EspÃrito Santo, os proprietários e gestores de empresas, etc. Ora, como marxista eu acho que devemos procurar estabelecer pontes mas é entre os trabalhadores de todos os paÃses, inclusive os milhões de imigrantes. Sobre esta sua passagem ainda vale a pena discutir mais uns pormenores. Assim, eu gostava de saber o que é que as pessoas entendem por “finança alemã”. E digo isto por duas ordens de razões. Primeiro, porque não há oposição entre o capital industrial e capital financeiro/bancário. Aliás, nem sei porque os actuais leninistas nem disso se lembram do que escreveu o seu mestre sobre o assunto da fusão do capital bancário com o capital industrial. Segundo, as empresas organizam-se no plano transnacional. E elas organizam-se nesse plano muito mais vasto e não precisam das fronteiras nacionais para nada precisamente porque os trabalhadores estão hoje terrivelmente fragmentados… Ora, quanto mais os trabalhadores se cingem aos marcos nacionais, mais organizados estão os capitalistas no plano mundial. Portanto, a soberania nacional que fala não dá qualquer salvaguarda pequena que seja aos trabalhadores. E isto por dois motivos: a) a “soberania” de um estado como o português só existe no plano polÃtico e administrativo. Do ponto de vista económico, os grandes capitalistas passam bem sem Portugal que é uma economia diminuta, pouco produtiva e débil. Bem que se podem fechar num paÃs ou dois que os capitalistas continuam livremente a actuar no resto do mundo. E como nenhum paÃs vive isoladamente, mais cedo do que tarde, lá teriam de ir de mão beijada pedir auxÃlio económico e trocas comerciais com os capitalistas que antes achavam que iriam deitar abaixo de uma penada com a soberania nacional… b) a soberania que você fala implica o fortalecimento do Estado nacional, o que, por si só, em nada contribui para o socialismo. O fortalecimento do Estado não é só a nacionalização da banca (que não serve para quase nada pois os capitais fluiriam todos bem antes de alguém tomar o pulso aos bancos), mas é acima de tudo a reprodução de princÃpios hierárquicos e de princÃpios repressivos sobre os trabalhadores. Enquanto houver estado existirá exploração. E não adianta de nada dizer que ele é operário, pois os mecanismos de exploração económica e os mecanismos de separação entre dirigentes e dirigidos sempre se mantiveram nas sociedades de capitalismo de estado.
3 – «Um internacionalismo consequente tem de partir destas realidades e saber analisar cada caso consoante o contexto histórico-económico e, sobretudo, mais uma vez se queremos partir de um ponto de vista marxista, saber ler Marx, Engels e Lenin.»
Este é o tipo de frase que dizendo tudo não diz nada. E não me leve a mal dizer-lhe isto. Só digo isto porque a sua argumentação é sempre vaga e sempre escudada no que A, B ou C disseram sobre o assunto. Eu que não sou leninista mas que valorizo e tenho apreço por algumas coisas do Lénine, lembro-lhe só que o Lénine também dizia no “Imperialismo…” que era ridÃculo pensar que alguma vez existiriam frutas produzidas em laboratório ou no seu opúsculo dedicado aos Estados Unidos da Europa que estes eram impossÃveis de concretizar… A UE está aà há umas décadas a demonstrar o contrário. Tudo isto para lhe dizer que não é porque um autor disse A que algo passa automaticamente a ter valor inquestionável. E isto seja com quem for.
Muito rapidamente e tocando apenas em pontos que me parecem mais importantes:
Uma coisa é soberania polÃtica, outra é económica. No marco capitalista, nunca poderemos aspirar à soberania económica. Mas isto não quer dizer que o esvaziamento polÃtico dos orgãos de soberania de um paÃs como Portugal não tenha importância. Não é por isso que a derrota de uma troika externa que condiciona um parlamento eleito seja desprovida de importância polÃtica. O que também não quer dizer que seja um fim em si, isto é, a troika é derrotada, repõe-se a soberania e pronto, problema resolvido. Isso seria apenas um passo para aplicar outras polÃticas.
Quanto ao estado e o seu ao papel na emancipação, a questão é demasiado vasta para este formato de comentário. Para mim precisamos do estado no para o eliminar no futuro. Precisamos de força para eliminar os exploradores e a exploração. A nacionalização da banca, que menciona, é um ponto muito reduzido dessa polÃtica e, muitas vezes, num contexto capitalista, pode nem ser progressiva. Mais uma vez, depende do contexto histórico e económico.
Numa palavra, eu não discordo do que afirma em relação á necessidade de uma concertação internacional da luta. Não discordo quando diz que a esquerda muitas vezes tem um pensamento absolutamente paroquial. Mas não podemos menosprezar o peso que muitas vezes têm as questões nacionais num contexto de um capitalismo imperialista. O nacional e internacional são parte do todo.
Se Marx tivesse alguma vez escrito que “Contra factos não há argumentos”, talvez nós perdêssemos menos tempo a construir sofisticados edifÃcios ideológicos na base de ilusões. Se nós não percebermos o peso do comportamento instintivo no Homem, e os imperativos biológicos e genéticos que o condicionam, nunca perceberemos o comportamento das sociedades e andaremos persistentemente a bater com a cabeça nas paredes. Só a ética pode ir contrariando os aspectos mais negativos dos comportamentos instintivos, mas o resultado só é perceptÃvel numa escala de séculos ou milénios. A ética é fundamentalmente a maneira como vamos introduzindo alterações nos nossos comportamentos, em nome da sobrevivência da própria espécie. É a forma como a razão vai ganhando terreno aos instintos mais destrutivos. Foi essa acção insidiosa da ética – e nenhum manifesto – que nos tem levado a considerar inaceitáveis a escravatura, a tortura ou a pena de morte, e a bani-las a pouco e pouco da nossa sociedade. Os manifestos podem servir para trazer para o nÃvel do consciente o que ainda está apenas no subconsciente, mas se a linguagem dos manifestos não for compatÃvel com os sentimentos crescentes de uma sociedade, de nada servirão. Na esquerda temos a tendência para fazer fogo a todos os azimutes, dispersando esforços entre o viável e o ilusório. Queremos fazer o bem tão depressa, que acabamos por inviabilizar o que queremos alcançar.
“Contra factos não há argumentos”, e “O óptimo é inimigo do bom”… Marx não escreveu isso, e é pena. Ter-nos-ia poupado muita canseira desnecessária…
Sobre o comentário do 123
Se por “comunismo” se entende uma formação social sem poder polÃtico, sem leis, sem instituições e sem moeda nem um mercado de bens de consumo, a minha ideia é que se transforma o comunismo num mito do fim da história, que se presta, não necessária mas verosimilmente, a servir de justificação à s piores aberrações durante o “perÃodo de transição”.
Quer isto dizer que devamos afirmar e servir a eternidade do Estado – de um aparelho de poder separado, que exclui a deliberação e a decisão igualitária de todos nas decisões que lhes dizem respeito, e que não pode deixar de reproduzir a sociedade de classes, dando a certas camadas uma posição hierárquica de superioridade que lhes permite governar e administar o modo de viver e produzir dos restantes cidadãos?
Claro que não. O projecto de uma terra sem amos, de uma sociedade sem classes, da emancipação dos trabalhadores como obra dos mesmos trabalhadores, pode e deve ser reiterado com mais força do que nunca, e implica, sem dúvida, a substituição do governo dos produtores associados e do conjunto dos cidadãos aos aparelhos de Estado propriamente ditos e a esses outros aparelhos polÃticos de governo classista que hoje asseguram, através da direcção da economia, o governo dos mais diversos e importantes aspectos das condições da existência colectiva. Assim, a questão que se põe é a da luta por um regime que colectivize de facto – contra o Estado e as formas de propriedade dominantes – o exercÃcio do poder através da participação igualmente livre e responsável de todos e cada um. E, sendo assim, para abreviar razões, digamos que, desde já, o que faz falta para animar a malta é a (auto-)organização das lutas segundo a lógica e os princÃpios de tal objectivo final.
msp
“Quer isto dizer que devamos afirmar e servir a eternidade do Estado – de um aparelho de poder separado, que exclui a deliberação e a decisão igualitária de todos nas decisões que lhes dizem respeito, e que não pode deixar de reproduzir a sociedade de classes, dando a certas camadas uma posição hierárquica de superioridade que lhes permite governar e administar o modo de viver e produzir dos restantes cidadãos?”
Porquê? Bastaria uma regra simples para lidar com a necessidade de divisão do trabalho polÃtico (i.e. o Estado): os cargos estatais seriam rotativos, com a duração máxima de dois anos, e os cidadãos chamados a exercê-los seriam escolhidos ao acaso.