Nouakchoot, capital da Mauritânia. Foto de Francisco Freire
As ondas de choque das Primaveras Ãrabes estão a chegar ao Magrebe. A revolta, mesmo vestida de islão, deve mais ao desemprego que ao Corão.
Tombuctu foi tomado. Em Nouakchott dizem-nos que bastaram duas dúzias de pick-ups Toyota cheias de homens armados para colocar o exército do Mali em debandada. Os charters com turistas europeus e norte americanos deixaram de se ouvir no aeródromo local. Uma unidade militar pouco ortodoxa entre os independentistas tuaregues do Sahel – Movimento de Libertação Nacional (MNLA) e a Al-Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI), governa um território sem que nem Ocidente nem tropas dos paÃses vizinhos se aventure numa investida militar.
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Pois, meu caro amigo, aqui se aplica o velho dito de “abrir a caixa de Pandora”. A miséria e a exploração existem, mas é uma perfeita traição ( diria, auto-traição) combaterem-se esses flagelos assassinos com o recurso a um outro flagelo assassino: o Fundamentalismo.
A hipocrisia do Ocidente não conhece limites. Há uns anos, os talibã dinamitaram umas estátuas de Buda: o clamor foi ensurdecedor. Hoje, é no Mali que o crime lesa cultura tem lugar, com a destruição de Tombuctu: os protestos são pÃfios. Mero acaso? Nada disso. A inssurreição no Mali tem as suas raÃzes directas no conflito lÃbio. Com armas à disposição e um firme apoio dos vitoriosos amigos lÃbios, os fundamentalistas malianos lançaram-se à conquista do poder. Com os resultados que estão à vista de todos. O silêncio compreende-se: aqueles que originaram tudo isto não estão interessados em que o resultado directo das suas experiências de democratizar à bomba sejam conhecidos e discutidos.
Tudo isto era perfeitamente previsÃvel. Houve alguns especialistas que para esta probabilidade alertaram. Os “media mainstream” ocidentais, propositadamente, não lhes deram voz. Esses preferem voltar os holofotes para a SÃria que é, agora, o nome cifrado para “Irão”.
Tudo isto é de uma cegueira atroz: ontem, forças progressistas ocidentais puseram-se do lado de fundamentalistas islâmicos que praticaram uma limpeza étnica na LÃbia; como hoje, para se mostrarem contra o ditador Assad, se põem ao lado daqueles que massacram o próprio povo, cometendo, juntando ao mal a caramunha, a suprema ignomÃnia de atribuir essas mortes à s forças governamentais. E tudo isso devido a quê? Os sÃrios tiveram o magno azar de o caminho que os EUA, Israel e as ditaduras do Golfo ( quem fala delas?) traçaram para chegar a Teerão passar por ali. É claro que ao Ocidente e seus aliados pouco lhes importa o risco de toda aquela região – o LÃbano, a Jordânia, o Iraque- poderem resvalar para um avassalador conflito étnico-religioso , que se propagará, como um rastilho, a toda a Ãsia Central. Cegos pelo seu objectivo, como cegos foram no Iraque e no Afeganistão, armam aqueles que, até ainda há pouco, eram o seu Leviathan.
E, meu caro amigo, não há que ter dúvidas: o Fundamentalismo – Islâmico, Cristão, Judeu ou Hindu – é uma ideologia confessional radicalmente anti-histórica que nada quer do progresso, pois este mina, inexoravelmente, as suas bases: Deus actua no Mundo como força de mudança, a sua Lei é omnipotente e a sua Palavra vale, incorruptÃvel, para todo o sempre e a todos, a toda a hora, deve guiar . Isto não é uma “especificidade cultural”; isto é reaccionarismo na sua mais pura forma. Logo, isto é o contrário de progresso e democracia. Ver forças que se dizem progressistas saudarem entusiasticamente “primaveras” destas, é coisa que me dá voltas ao estômago. É de uma inenarrável confusão ideológica. E é uma tremenda e criminosa estupidez. E, sabe que mais? O Ocidente está a borrifar-se para o Mali: não há lá petróleo – “No oil, no concern about human rights”. É assim como uma Somália mais para o interior. E todos sabemos o que aconteceu à Somália, não é?
” … o risco de toda aquela região (…) poder resvalar…”. Mil desculpas.
isso é propaganda da toyota. nas imagens que nos chegavam da lÃbia, do sul do sudão, agora da siria, e aliás por toda a áfrica (rebeldes da nigéria, eitreia e etiopia, nos bairros revoltosos de nairobi, etc etc) ve-se igualmente muitas pick-up da mitsubishi e da nissan, e mesmo algumas da serie f-150 da ford americana (o carro mais vendido do mundo de sempre, mas muito piores que as japonesas, admita-se). não sei como é que a toyota conseguiu este golpe publicitário, mas de facto é um extraordinário evento mercantilistico conseguir associar a sua gama de trabalho todo-o-terreno com os lugares mas inóspitos e as pessoas mais desesperadas do planeta. tive que estudar a mina de ferro da mauritania: não aconselho.
isso é propaganda da toyota. nas imagens que nos chegavam da lÃbia, do sul do sudão, agora da siria, e aliás por toda a áfrica (rebeldes da nigéria, eitreia e etiopia, nos bairros revoltosos de nairobi, etc etc) vê-se igualmente muitas pick-up da mitsubishi e d nissan, e mesmo algumas da serie f-150 da ford americana (o carro mais vendido do mundo de sempre, mas muito piores que as japonesas, admita-se). não sei como é que a toyota conseguiu este golpe publicitário, mas de facto é um extraordinário evento mercantilistico conseguir associar a sua gama de trabalho todo-o-terreno com os lugares mas inóspitos e as pessoas mais desesperadas do planeta. tive que estudar a mina de ferro da mauritania: não aconselho.
“Movimento de Libertação Nacional (MNLA) e a Al-Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI), governa um território sem que nem Ocidente nem tropas dos paÃses vizinhos se aventure numa investida militar.”
Renato, o MNLA está tomado pelos serviços secretos franceses. Aliás, alguns dos seus lÃderes estão em França e já fizeram comunicados a partir de lá.
Não encontrei nenhum facto que comprove isso. Até ver o MNLA correu, em unidade militar com a AQMI, com o exército do Mali. Para o bem e para o mal, de Bamako para Norte nenhuma outra força politica e militar apita.
“Para o bem e para mal”? Vê o caro amigo algum bem em toda esta situação?
Vejo. Em vários paÃses são expressão de uma revolta que tardava em chegar contra as marionetas que os colonos deixaram antes de “partirem”.
Sabe uma coisa: as marionetas que os colonos deixaram já lá vão há muito tempo. Algumas delas foram varridas do mapa polÃtico desses paÃses por gente que de marionetas não tinha nada. Foi o caso de Gamal Abdel Nasser, no Egipto, como o foi o caso de Muammar Kadaffi, na LÃbia. O que o senhor tem visto nos últimos anos foram neocolonos ( e o seu actual, longuÃssimo e poderosÃssimo braço armado, o AfriCom) a reinstalarem no poder outras marionetas. Fizeram-no na pátria dos faraós com Sadat e o ditador que se lhe seguiu; fizeram-no no paÃs do coronel do Livro Verde com uma chusma de genocidas de Corão debaixo do sovaco e de dedo nervoso no gatilho. Isto para já não falar naquilo que aconteceu na Costa do Marfim, lembra-se?
O meu caro amigo aplica velhos conceitos a realidades que, nos seus complexos desenvolvimentos, mudaram radicalmente nos últimos anos. Como tentei explicar-lhe em anterior comentário, tudo isto vai acabar mal. O que aà virá não será democracia, nem será desenvolvimento. O que aà virá será- olhe-se para a LÃbia- guerra e opressão de minorias em contÃnuo e em crescendo.
Confundir guerras financiadas e promovidas do exterior com tomadas de consciência revolucionárias e progressistas é néscio. Confundir-se os interesses de quem quer ver Ãfrica a ferro e fogo e, logo, fora do jogo económico mundial como parceiro a ter em conta, com os interesses de povos que só pretendem paz e desenvolvimento para os seus filhos é ser politicamente daltónico.
Nisto que debatemos, meu caro senhor, e ao contrário do que diz, nada se aproveita. Dir-me-á qual é a lógica de as potências ocidentais combaterem no Afeganistão a mesmÃssima gente que apoiam, económica e militarmente, no Magreb ou na SÃria. Se me conseguir convencer do facto de essas potências desejarem, acima de tudo, o desenvolvimento do continente africano e do facto de visarem acabar com governantes fantoches, ficarei muito feliz. Receio, contudo, que continue nesta apagada e vil tristeza em que me encontro.