Já aqui, no 5dias, a citei.
Uma longa carta de Guy Debord ao seu amigo a tradutor Afonso Monteiro, que (com Francisco Alves) passou para português, em 1972 em trabalho muito elogiado pelo autor, La Société du Spectacle. A carta é datada de 8 de Maio de 1974, é extensa e detalhada sobre o nosso processo revolucionário, vem reproduzida no Vol. 5 de Correspondence (apresentada por Alice Debord e organizado por P. Mosconi).
Que nos propõe Guy Debord, a A. Monteiro e a nós, habitantes do presente mórbido, cruel mas esperançoso? Uma agitação permanente, claro, sem travões nem freios, uma lição e um manifesto em favor do novo (sim, não é muito diferente de Badiou, que lhe chamaria “acontecimento”); a começar:
O objectivo principal dos revolucionários portugueses deve então ser: fazer da situação actual uma verdadeira revolução do nosso tempo. Eles devem, denunciando o espectáculo mundial, e o ‘espectáculo revolucionário’ da nascença a posteriori de uma democracia burguesa, expor um programa mÃnimo de uma tal revolução. Esse programa mÃnimo depressa se encontra: é tudo o que pode ser realizado, dito e escrito de mais avançado no mundo nos últimos dez anos. Mas, sobretudo: expor através de uma perspectiva revolucionária deve sempre consistir na explicação e descrição daquilo que se passa dia após dia; e jamais ficar satisfeito com a proclamação ridÃcula e abstracta de objectivos genéricos.
Concretamente, em 1975, isto corresponderia (!):
Quanto à s temáticas de uma agitação permanente, julgo que as primeiras que se impõem são: embarque e regresso imediato das tropas de Ãfrica [resolvido]; denúncia quotidiana de toda e qualquer aproximação dos partidos de esquerda em relação a António de SpÃnola, à Igreja e aos banqueiros [quase resolvido, pois o PCP, sobretudo este, e o BE afastaram-se de habituais subserviências a banqueiros]; autonomia das assembleias de trabalhadores e seu armamento (…) [ponto não efectivado].
Pq não foram abatidos!Já repararam que não há fascistas depois do 25 de abril-só Comunista e ‘democratas’ onde pontuam dias loureiro,isaltinos,albert john gardens,euricos /barbosas de melos e escumalha restante….
Não há fascistas ?!
Oh pá, isso é uma boa notÃcia.
E um sarcasmo!!!Da -aa.
Também sarcasmizei, claro…
Bom, isso foi há 35 anos. Hoje, não há que contar com forças armadas. Hoje, é a população civil que se deve armar, definir, indivÃduo a indivÃduo, os criminosos que a sugam, e actuar em conformidade. É isto uma Revolução.
Ontem foi denunciado, que há vinte mamões que abocanharam MIL TACHOS.
Só um tem 62, nem o Debord poderia advinhar, que 35 anos depois do 25 de Abril , se manteriam escandaleiras destas.
Só me lembro de casos destes no tempo da ditadura, o Cerejeira tinha lugar cativo no Conselho de Administração de muitas empresas, que assim se conseguiam pagar menos impostos , um resultado da concordata.
O que o Carlos Vidal se esqueceu de referir, é que a esquerda sempre teve optimas relações com a Igreja, talvez para não repetir ” erros ” da primeira Republica.
E nesse ponto o desacordo com o que escreve o Debord é total…..
Total?
Não percebo.
Talvez parcial.
Explique melhor, sff.
porque não foi revolução nenhuma , foi um motim dos militares. e teve resultados parecidos aos que há a potes na américa do sul.
Não é esse motim, ou como queira chamar ao 25 de Abril, que interessa isoladamente.
Interessa, sim, é a sequência que esse dia inaugurou. Por isso é que eu lhe chamo “revolução de 1975”, em homenagem ao PREC, exactamente!
O 25 de Abril é um dia inteiro e inaugural, como diz Sophia. Sim, é isso, ou isso apenas, “inaugural”.
A revolução democrática veio depois.
E pode renascer a qualquer momento, em qualquer lugar :
tomo muito em conta o que se está a passar por terras de Espanha.
falhou porque delegámos. porque esquecemos que o poder corrompe.falhou porque somos todos adeptos da lei do menor esforço. falhou porque não confiamos uns nos outros. falhou porque não saÃmos prá rua. falhou porque deixámos que o politicamente correcto , uma versão laica do pecado , nos lixasse a vida. falhou porque esquerda e direita se recusam a mediar.
mas tudo isto foi preciso. porque é a errar que aprendemos.
e los españolitos aprendemos !! e andam a mostrar ao mundo.
e falhou , sobretudo , porque embarcamos , sem pensar , em tudo o que nos puseram no prato. já disse aqui : tão frescos , tão proprÃetários , tão invejados que nós somos com o cartão de caloteiro dourado no bolso. uma boa ideia que os escravizadores tiveram , sem dúvida. quem é que se revolta com a hipoteca da casa/carro e mais não sei quê por pagar? pensam eles. mas não se revoltam porque são parvos. há milhares iguais. unam-se. mas unir custa , né? uma trabalheira. e nem se sabe por onde começar. não há quem diga o que fazer nesta guerra , fazer de forma prática , é só parlapié. mas guerras a gente não ganha com parlapié.
de consolo digo que toda a europa ( menos a noruega ) anda aos papéis.
e a história do estado nação. mas vocês acham que o fato de um gigante serve num anão? os estado nação nasceram de um rei. acham mesmo que essa organização polÃtica é adequada ao poder do povo ? na islândia funcionou , para os 320 mil habitantes…poucachinhos , né?
O Debord escrevia bem e esse livro é uma boa análise social (já descontando a falta de objectividade pela parcialidade ideológica dessa análise, que o autor não conseguiu superar) agora sobre Portugal o Debord (que não me consta que alguma vez cá tenha estado) sabia se calhar tanto ou menos do que o livreiro ou bibliotecário do bairro dele, donde citar cartas e, ou, bocas que ele tenha mandado sobre a situação polÃtica portuguesa da altura, são clichés no caso dele impregnados de ideologia marxista, que valem o que valem…
Falso, o Debord esteve cá, tinha por cá vários amigos, e viveu o processo revolucionário português intensamente.
E até lhe dedicou um filme.
Os livros e filmes dele antes do 25 Abril eram proibidos pelo regime e pela PIDE, pelo que se ele esteve cá foi obviamente clandestino ou disfarçado, só se esteve cá depois do 25 Abril, pode precisar quando, onde e com quem ele esteve cá (estive ainda agora a pesquisar na Net e na Wikipedia e não encontrei nada)…
Debord usa imagens portuguesas (apropriadas, como costuma fazer) no filme “Réfutations de tous les jugements, tant élogieux qu’hostiles, qui ont été jusqu’ici portés sur le film ‘La Société du Spectacle’ “, de 1975.
A tradução de “A Sociedade do Espectáculo” é de 1972, Ed. Afrodite / Ribeiro de Mello.
Debord foi amigo de, entre outros, um conhecido crÃtico do “Público” (já falecido), além dos seus tradutores, que admirou.
Não veio cá como Sartre, talvez ninguém tenha dado por nada. Não tenho muitos dados sobre isso, ninguém tem.
(Ou estarei a precipitar-me e a dar crédito acerca do que ouvi do lendário Silva de Viseu, com quem aliás trabalhei no primeiro ano do citado jornal? Mistério.
Mas as cartas de Debord, para Afonso Monteiro, de 8 de Maio de 1974, 6 pp. !!, e para Eduardo Rothe, com a mesma data, revelam um Debord excessivamente conhecedor da situação em Lisboa.
Os outros dados são inquestionáveis: o filme e a data do livro Afrodite.)
O filme está no YouTube, tripartido e legendado em italiano:
http://www.youtube.com/watch?v=XTsv_lzkxDw
http://www.youtube.com/watch?v=JSnugAWh0so
http://www.youtube.com/watch?v=n3WSLlDk1j0
Mas até é um bocado criminoso vê-lo naquele quadradinho. Ainda assim, antes ver do que não ver.
“falhou porque delegámos”.
nem mais.
Correu efectivamente a lenda de que o Torcato Sepúlveda tinha sido o cicerone
de Debord em Lisboa no agitado periodo do Verão de 1975. Só existe um caminho
para tentar localizar esse facto ” histórico-teórico “: há um editor em Lisboa- que
fornecia traduções/ revisões ao Torcato- que deve saber tudo; e com pormenores.
Niet
Eu trabalhei com o Torcato no 1º ano do “Público”.
Era eu, com o João Pinharanda, o crÃtico de arte.
O Torcato, era o editor da Cultura.
Nunca me pareceu um mitómano. Por aquilo que sei, há todas as possibilidades da “lenda” ser verdadeira. (O editor é o L. Oliveira?)
O Torcato era um intrépido camiliano e debordista, se assim podemos dizer. Claro, o L. Oliveira sabe tudo…Niet
As revoluções fazem-se com os satrapas encostados a parede!!!!
CarÃssimo Vidal, muito interessante a correspondencia que aqui nos trouxe (o brilhantismo de Debord não pára de me surpreender, a sua capacidade de pensar é singular, quase intemporal)!! Como “intuÃa” Debord, a sua revolução, caro Vidal, nunca o foi!! Era, como previa, uma transformação do feudalismo capitalista no mercantilismo liberal e social como mecanismo defensivo e avanço modernizador até ao paradigma emergente Europeu (o tal programa mÃnimo, consensual e possÃvel é a social democracia, não havia outro!)!!
As ideias, e de certo modo, a “resignação” ou, no melhor, o entendimento dos pesados obstáculos e sua esclarecida denuncia, que ali, na carta, se lêm, parecem-me caber perfeitamente nos comentários sobre a sociedade do espectáculo, mais tarde!!
A sua burlada revolução, caro Vidal, foi a última, revolução burlada, lida por Debord!!
Hoje, ou melhor, ontem vi a entrevista a Sampaio. Tenho o Sampaio por homem sério e de virtude. Parece-me que falou para a sua esquerda e parece-me que falou disto, de um certo modo!!
Há um momento, já perto da morte, de desânimo no Debord.
Nada pode ser mudado, então parecia. Num filme meio biográfico (lindÃssimo) que sobre e com ele fez Brigitte Cornand, ele diz que uma cidade muda mais rapidamente que o coração de um morto – é uma mudança trágica a que ele se refere: a da cidade ao ritmo da especulação imobiliária.
A Paris da Comuna foi destruÃda por Haussman. A de Debord, pela acéfala pós-modernidade, e por aà adiante.
Mas, no fim, mesmo no fim, sobrou-lhe um NÃO. Dizia ele, minado pela doença: deve-se dizer NÃO à cura, como sempre se disse NÃO a esta sociedade.
Assim sendo, creio que não morreu “social-democrata”.
Não faço a menor ideia acerca daquilo em que acreditou nos últimos dias…
É trágico, mas não sei.