“A vida do Bin Laden já era irrelevante quando falámos este Verão. Os EUA deveriam ter optado pela captura”, disparou Robert Fisk, em entrevista telefónica, na manhã em que o mundo acordou com a notícia do seu assassinato. Quando em Julho do ano passado o entrevistei para o i, o histórico correspondente do “Independent” já vaticinava a morte do projecto político da Al-Qaeda e dizia que, independentemente do que viesse a acontecer a Bin Laden, ele já tinha conseguido os seus objectivos: “Ele é um líder simbólico da Al-Qaeda, não cumpre qualquer papel na organização.”
Para Robert Fisk o que se está a passar no Afeganistão é um levantamento popular contra as tropas da coligação internacional liderada pelos EUA sem qualquer relação com o saudita. Fisk, o último ocidental a entrevistar aquele que foi o principal inimigo dos EUA na última década, não tem dúvidas de que o assassinato de Ossama Bin Laden “é um enorme fracasso da autoproclamada guerra contra o terrorismo” e que “os EUA deveriam ter optado pela captura”.
Como reagiu ao assassinato de Bin Laden?
Com indiferença. O seu significado político já era praticamente nulo e a sua ligação aos grupos que se reivindicam da Al-Qaeda é nulo. Não mantinha qualquer relação com o Magrebe, o Norte de África ou mesmo o Médio Oriente.
O que lhe parece que o assassinato do Bin Laden pode representar dez anos depois do início de uma guerra que foi justificada com a sua captura?
Em primeiro lugar importa lembrar que o objectivo dos EUA sempre foi a sua captura, a única maneira de garantir que seria julgado em território americano. Ao optarem pelo assassinato, os EUA repetem o desfecho da sua intervenção no Iraque, países cuja realidade são a resposta mais cabal à sua pergunta.
Como assim?
O que se está a passar em qualquer destes países, em especial no Afeganistão, não tem nada a ver com o Bin Laden ou com a Al-Qaeda. Trata-se de um levantamento popular contra as tropas ocidentais no território, resultado directo do fracasso da estratégia para todo o Médio Oriente. O acordar do Médio Oriente para a democracia secular derrota simultaneamente o projecto do Ocidente e dos defensores dos califados islâmicos. Foi isso que matou o Bin Laden, a Al-Qaeda, mas também a política do Bush e do Obama para o Afeganistão. A guerra que os EUA e os seus aliados enfrentam é insurreccional e nada tem a ver com a auto-proclamada guerra contra o terrorismo.
Mas ouvindo as declarações de Bush e de Obama, tal como a generalidade dos líderes mundiais, este assassinato é entendido como o coroar da estratégia que considera ter fracassado.
Naturalmente, eles continuam a não querer admitir. Acabei de ouvir agora o Benjamin Netanyahu afirmar que esta operação “é uma vitória retumbante da justiça” e eu gostaria de lhe perguntar o que seria um fracasso. Já deveriam ter aprendido com o passado e abandonado o triunfalismo. A propaganda de Obama vai fazer deste fracasso uma vitória, como fez com os levantamentos em curso em vários países do Médio Oriente, mas isso não muda a realidade. Os serviços secretos norte-americanos não foram capazes de prevenir os acontecimentos do 11 de Setembro e agora não foram capazes de capturar e julgar aquele que foi o seu responsável. Só seria um sucesso se fossem capazes de o levar à justiça.
O seu assassinato terá efeitos no aumento ou na diminuição do dito terrorismo islâmico?
Acho que nas próximas semanas até pode vir a aumentar, especialmente com bombistas suicidas no Afeganistão e no Paquistão, onde a situação é mais complicada para as tropas ocidentais. Acredito que acções como a que aconteceu esta semana em Marraquexe podem repetir-se, e que até haja quem as venha reivindicar em nome da Al-Qaeda. Agora o sucesso da luta pela democracia secular iniciado pela população da Tunísia e do Egipto é a chave para que essa via venha a perder terreno e base de apoio que a alimente.
Qual a memória que guarda das horas que passou a entrevistá-lo?
Várias, claro. Foram entrevistas importantes e vividas com grande intensidade. Por agora recordo as últimas palavras que ele me dirigiu: “Rezo a Deus para um dia vencer os EUA” e a forma cordial como me tratou, talvez acreditando que seria capaz de me recrutar.
Publicado também no i.
Pingback: E no 1 de Maio aconteceu alguma coisa em Lisboa? | cinco dias