Enfim…
Chegou ao fim com este sétimo volume (Janeiro, 1988-Novembro, 1994; Paris, Fayard, 2008) uma importante amostragem de uma das mais extremas aventuras intelectuais do século XX: trata-se da gigantesca compilação da correspondência do mais do que grande pensador francês, o raro Guy-Esnest, rarÃssima personalidade e obsessivo estudioso do Cardeal de Retz, de TucÃdedes, Baltasar Gracián e de Clausewitz. Tudo possÃvel, naturalmente, com a colaboração de Alice Debord e organização de Patrick Mosconi. (Bem hajam.)
Um estudo destes sete volumes, e em média cada um tem cerca de 400 pp. de cartas (o vol. 4 ultrapassa as 600 pp.), deveria ser encetado com urgência. Mas, por quem?
Por mim, tal afigura-se-me, neste momento, completamente impossÃvel. Só há pouco, por exemplo, tive tempo (enleado em Caravaggio, Rembrandt, Velázquez e Bruce Nauman para terminar um demasiadamente extenso phd – provavelmente “mau”, que Deus “decida”) de pegar no Volume VII, aquele que termina com a vontade absoluta e livre de Debord ser ele próprio, só ele, a decidir o momento do fim da sua vida; nota que Alice Debord redigiu ditada por Debord: “Uma doença chamada polinevrite alcoólica, vinda do Outono de 1990. Então imperceptÃvel, depois progressiva. Torna-se verdadeiramente penosa em finais de Novembro, 1994. Como em relação a todas as doenças incuráveis, muito ganhamos não procurando nem aceitando qualquer tratamento. Isso seria o contrário da doença que contraÃmos por uma lamentável imprudência. Não procurando a cura deve ser a fiel obtinação de uma vida” [não traduzi literalmente].
Lê-se ainda na contracapa: “Ele decidiu, a 30 de Novembro de 1994, transpor, à  hora escolhida, a sua linha de chegada; tal como decretou que o ano de 1951 correspondeu ao seu verdadeiro ponto de partida. Uma vez que “la suite était déjá contenu dans le commencement de ce voyage”.
aparentemente o critério de selecção das cartas e o papel da alice nessa função tem sido contestado por alguns tradutores de debord. parece que faltam as cartas de amor e também a famosa carta a afonso monteiro em que Debord manda os pro-situs portugueses darem uma volta.
http://www.anarchistnews.org/?q=node/8258
CarÃssimo,
Como ando envolvido noutros projectos e obrigações, confesso, só agora reuni os sete volumes na minha estante, e, claro, não os li todos, nem por sombras.
Mas vamos por partes:
– Creio que faltam as cartas de amor, certo.
– Todos os volumes trazem o nome de Patrick Mosconi como responsável (e não a Alice Becker).
– Não sei, e ainda não conferi, se estão representadas determinadas situações conflituosas, como todas as cartas (algumas estão) trocadas com Jean-François Martos. Poderia ter confrontado o volume de Martos, “Sur l’Interdition de ma ‘Correspondence avec Guy Debord’ “, mais as suas cartas noutra altura e edição publicadas e estes volumes da Fayard para confirmar o que falta de material polémico. Arqueologia ainda não encetada.
– Creio, no entanto, que a mais importante carta dirigida a Afonso Monteiro é a datada de 8 de Maio de 1974, carta extensa que vem reproduzida na Ãntegra no vol. 5 (1973-1978), entre as páginas 153 e 158, onde Debord faz a sugestão da ocupação de fábricas com destribuição de armas pelas comissões ou conselhos de trabalhadores (medida em relação à qual, certamente, eu nada teria a opor teoricamente – quer dizer, na prática, eu era um quase bébé por essas alturas).
De resto, a revolução portuguesa suscita-lhe interrogações e expectativas. O 25 de Abril, em sÃntese, é, digamos, acarinhado.
Mas preciso de mais tempo para analisar este material.
Abraço amigo
CV
A carta que refiro e’ de novembro de 75
http://www.notbored.org/debord-15November1975.html
nao estou seguro que esteja incluida em no volume em questao.
abraco
Party Program
Muito importante a sua menção: a carta data de 15 de Novembro (75), dez dias antes da nossa data “termidoriana” (como diria Alain Badiou). A carta tem um tom crÃtico, mas não é muito “feroz”. Começa com “camaradas”, o que é sintomático.
Um dos pontos mais crÃticos refere-se à dissociação entre os “situs” portugueses e o movimento revolucionário no “terreno”:
(Estamos falando no vol. 5, pp. 307-313)
Um momento crÃtico é este:
“Vous n’êtes que très peu liés aux grands succès atteints par le prolétariat portugais. Même si vous l’étiez plus, je ne serais pas d’accord avec votre triomphalisme à propos de la situation présente (et en rélité, vous ne développez ce triomphalisme abstrait que du fait de votre position d’admirateurs quasi passifs).”
Adiante Debord desaprova mesma a conduta “situ” portuguesa, mas mantém sempre uma ligação com Afonso Monteiro, pois volta a elogiá-lo grandemente como tradutor em 1979, no conhecido “Prefácio à quarta edição italiana de ‘A Sociedade do Espectáculo’ “.
Sabendo nós o que aconteceu em 25 de Novembro de 75, a vitória eanista-jaime nevista-carlucciana-soarista, percebemos então as crÃticas de Debord aos seus amigos portugueses.
De facto, Soares e Eanes e comparsas não só sepultaram a revolução como o pensamento sobre a revolução e a emancipação, definitivamente. (25 de Novembro foi pois o nosso Termidor.)
Contudo, o tom de Debord é genérico e não se refere a ninguém em concreto de forma sistemática.
Abraço amigo.
CV
Há algo em Guy que me choca…a sua capacidade de ver antes de todos os outros “a prisão” onde nos movimentamos.
Como tal foi possÃvel por um de nós?
e cem anos antes Marx viu-a também
há que encontrar por de trás da obra (filmes textos e cartas -também possuo os sete volumes…) o engenho de descodificar a mentira de modo que encontrando o metodo ele se aplique sempre… mas sem nunca o reverlarmos… (como nos “comentários…”)
Depois do Carlos Marques e do Ernerto Debord… haverá outro que consiguirá dizer que o rei vai nú…e que subitamente, ao ouvi-lo, todos nós o vejamos… espero bem que sim…senão tudo teria sido em vão…