Santiago Sierra. “Pessoa paga para ficar de cara para a parede”. 2002.
“Três homens negros penetram três mulheres negras”. 2009.
Ora bem, de que falamos quando falamos em arte conceptual que, nos anos 60 e 70, se propunha inventariar processos de definição e legitimação da arte como se fosem, tais processos, eles próprios obras de arte? De que falamos quando o minimalismo, pela mesma altura, se propunha encontrar modos de superação dupla – da pintura e da escultura – através de objectos produzidos sem intervenção manual (industrialmente, portanto) e que recorriam a formulários compositivos baseados em frias grelhas geométricas? De qua falamos quando falamos em experiências performativas – happenings, performances – que propunham superar o que achavam ser um confinamento da arte – escultura, pintura, objecto – a uma espacialidade sem tempo e a um espectador passivo/contemplativo (contrariando este facto nas obras de Beuys, “Fluxus” – Maciunas, Brecht, Yoko Ono, etc – Chris Burden, Allan Kaprow, Vito Acconci, Carolee Schneemann ou Marina Abramovic….)? Falamos nas neovanguardas que pretendiam retomar o espírito libertário das vanguardas históricas (anos 10 e 20), recusando dualidades antigas como a do autor/espectador, e superando a materialização da obra num objecto mercantil, promovendo novas formas ditas “democráticas” de interacção (relacionalidade, diz hoje Nicolas Bourriaud) entre o venerado “autor” e o passivo “espectador”.
É, depois, quando vejo e estudo artistas actuais como Santiago Sierra (n. 1966, Madrid, espanhol que vive no México) que mais e melhor penso no carácter ilusório do projecto neovanguardista. Que faz Sierra então? Fora do espaço das artes, Sierra não acredita no mercado livre e mostra-nos que todas as relações de trabalho são relações pagas de puro sadismo e humilhação. No campo da arte, Sierra não acredita igualmente numa relação livre autor-espectador que não envolva dinheiro.
Por isso, Sierra paga aos seus figurantes para representarem situações razoavelmente humilhantes que ele imagina como “obras de arte”: o espectador é uma marioneta nas mãos do autor, e ambos apenas interagem porque o autor quer e para tal paga mais ou menos bem. “Filha da putice” do autor-artista? Não, exposição, acima de tudo, da falácia democrática em arte e em sociedade, onde o dinheiro pode comprar todo o tipo de humilhação. Por isso, Sierra interage, sim, mas humilha o espectador com genialidade, e mostra que o grande desejo das democracias é ter figurantes como os seus – passivos, obedientes e pagos para tal. Passarei a alguns exemplos:
“Linha de 2,5m tatuada nas costas de 6 pessoas remuneradas”. 1999.
“Trabalhadores ilegais remunerados para permanecerem dentro de cartões”. 2000.
“133 pessoas remuneradas para pintarem o seu cabelo de loiro”. 2001.
“30 trabalhadores remunerados, virados para a parede e ordenados em dégradé da pela mais clara à mais escura”. 2002.
“Grupo de mulheres sem casa pagas para se manterem uma noite de pé e viradas para a parede”. 2008.
“Los penetrados”. 2009.
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