Um olhar mais atento à proveniência de muitas das obras em destaque no MNAA complementa o retrato de uma nação dependente da bondade de estranhos. Começando pela imponente e deslumbrante tapeçaria Combate de Hércules contra os Centauros, em que a intensidade descritiva da acção e a convivência de vários momentos da mesma num só plano pictórico parecem antever, em pleno século XVI, os dispositivos diegéticos da BD, relembrando também alguns recursos narrativos dos painéis de mosaicos romanos.
Seguindo pelo S. Agostinho de Piero della Francesca; obra maior do seu período final, onde o doutor da Igreja surge poderoso e autoritário na Fé, imponente na sua corporalidade detalhada. Uma prova da síntese perfeita que o pintor alcançou entre a pintura italiana, com as suas explorações obsessivas do espaço e da perspectiva, e a perícia holandesa na reprodução dos efeitos da luz sobre objectos e na atmosfera.
Estas duas peças, como muitas outras no acervo do MNAA, foram compradas em 1936 pelo Estado português, no leilão do conde Henry Burnay, capitalista de ascendência belga.
O emblemático políptico As Tentações de S. Antão, de Hieronymous Bosch, considerado a jóia suprema deste museu, só lá está porque Felipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) foi um coleccionador persistente e apaixonado da obra de Bosch; como resultado nos dias de hoje, temos uma obra-prima de “El Bosco” em Lisboa e uma sala cheia delas em Madrid. Mas nada disto diminui o esplendor apocalíptico da obra; apesar da integração forçada e festiva que os surrealistas fizeram da obra do pintor holandês na sua árvore genealógica, sabemos hoje que ele não foi um Dali avant la lettre, mas sim um homem profundamente conservador, ilustrando para educação dos seus contemporâneos os terrores que as mudanças iminentes no seu mundo e a ameaça da heresia poderiam acarretar. Este moralista de sermões alucinados e hiper-detalhados acabou por ser adoptado também pelo século XX em geral, que viu reflectido em obras como esta inquietante metáfora da resistência do homem à força do pecado a sua própria condição periclitante à beira do abismo nuclear.
A suite do Apostolado de Francisco de Zurbarán, apesar da sua aparente origem oficinal e de uma feitura algo apressada (apenas o S. Pedro foi assinado por Zurbarán), não deixa de formar um conjunto impressionante, onde o poder evocativo destas figuras fundadoras do Cristianismo se nos impõe de forma ascética, sem adereços nem cenários, apenas vincado pela forma como a luz se derrama e cria contrastes dramáticos assombrosos. Estas doze telas terão sido trazidas para Portugal por Felipe IV de Espanha (o “nosso” Filipe III).
Mesmo a peculiar Virgem com o Menino, única obra de Memling em terras lusas, com o Cristo-menino manuseando displicente a maçã de todos os pecados, talvez cá tenha aportado como oferta do imperador alemão Maximiliano. E peças menos antigas, como o excelente Homem de Cachimbo, de Gustave Courbet, foram doadas ao museu por Calouste Gulbenkian.
Em suma: se não fosse pelo gosto e ímpeto coleccionista de monarcas e mecenas estrangeiros, o MNAA não passaria de um museu limitado e paroquial, centrado quase em exclusivo na arte nacional e tendo como principal pólo de interesse um forte núcleo de artes decorativas.
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