Uma esquerda a sério não pode transigir com a falta de liberdade. Impedirem as pessoas de poderem assumir publicamente a sua orientação sexual, ou qualquer parte da sua identidade, é um ataque insuportável à liberdade. Qualquer combate pela auto-determinação de qualquer pessoa ou grupo é uma grande causa. Todas as lutas são nobres para fazermos o tempo. Mas, há pelo menos um “mas”, esta luta pela liberdade não é forçosamente de esquerda, nem a liberdade sexual tem de ser de esquerda. A busca do prazer, como a estupidez, não está condicionada pelo eixo da esquerda e da direita. É verdade que os conservadores e a Igreja têm-se esforçado, desde tempos imemoriais, para desmentir essa minha afirmação. Como escrevia William Blake, “as prisões são feitas com as pedras da lei, os bordéis com os tijolos da religião”. Mas é sabido que nem só do conservadorismo vive a estupidez, o ascetismo revolucionário também tem dado um excelente contributo à causa. Aliás, para mal dos revolucionários, nem a revolução significa obrigatoriamente libertinagem, nem as ditaduras têm de forçosamente impedir os prazeres do sexo. Segundo Hobbsbawm, num artigo sobre a revolução sexual, o sexo é tão intenso e tão barato que até pode servir para nos distrair e “não é por acaso que chamam ao sexo a ópera dos pobres”.
Judith Butler parece-me bastante simplista quando diz que a luta queer pelo reconhecimento, longe der ser uma mera luta cultural, está no centro da contestação do sistema, porque a reprodução sexual está presente no coração das relações sociais de produção, sendo a família nuclear hateossexual uma componente essencial das relações capitalistas de produção. Simplismo por simplismo, estou mais de acordo com o que escreve Zizek, quando defende que “longe de ameaçar o presente regime de biopoder – para utilizar o termo de Foucault – , a proliferação recente de diversas práticas sexuais (do sadomasoquismo à bissexualidade, passando pelas perfomances drag) é a forma precisa que assume a sexualidade engendrada nas condições presentes do capitalismo mundial, encorajando claramente uma subjectividade caracterizadas por identificações múltiplas e mutáveis” (Zizek, Slavoj: Le Spectre Rôde Toujours, pag.19).
Uma esquerda a sério não pode desprezar as identidades, mas não deve esgotar-se nelas. Todos somos de uma classe, de uma raça, de um género, de uma nação, de um clube e de muitas outras coisas. Temos muitas identidades. Somos uma espécie de um feixe de identidades. Mas qualquer política baseada numa só identidade é uma recta directa para a estupidez. Faz-me lembrar aquele activista LGBT que dizia durante o referendo da Constituição Europeia: “o texto do tratado é muito mau em muitos sentidos, em termos de direitos laborais é um recuo até à Idade Média, mas como a Carta dos Direitos é melhor para os homossexuais, vou ter que votar ‘sim’ ”. Ou aquelas feministas que defenderam os bombardeamentos israelitas e o emparedamento dos palestinianos, cercados por muros de segurança, justificando que como os árabes reprimem as mulheres, estão abaixo do nível humano. Estando assim convictas que as bombas justiceiras de Israel apenas acertavam nos varões e poupavam as mulheres. Como se fosse possível defender – já que são primitivos do ponto de vista dos costumes – que podem ser bombardeados e mortos e que não têm direito a se autodeterminarem como povo.
Qualquer projecto sério de esquerda deve ter a pretensão de ser universal. Deve extirpar o discurso dos relativismos e transcender o seu próprio povo. Uma política que não aspira a ser total, não é política e está no domínio da mercearia. Há muita gente que é contra a ideia de projecto, dizendo que qualquer vontade de mudança cai inevitavelmente no totalitarismo. É preciso dizer que totalitária é a afirmação que não há mudança possível. A ideia que temos de nos contentar com o que há, não passa de um afirmação ideológica disfarçada, por sinal, bastante redutora e totalitária.
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