No «terminus» do prazo de regulamentação da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, que deu forma jurídica ao resultado do referendo de 11 de Fevereiro, é hoje publicada em «Diário da República» a Portaria n.º 741-A/2007, que «estabelece as medidas a adoptar nos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos com vista à realização da interrupção da gravidez nas situações previstas no artigo 142.º do Código Penal». Nomeadamente, a interrupção da gravidez por opção da mulher. É essa a novidade. Dia 15 de Julho, entra em vigor.
Em vigor, em vigor, entrou já em estabelecimentos hospitalares como a Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital Garcia da Horta, onde já se realizaram várias interrupções voluntárias de gravidezes, no respeito pelo pedido da mulher e no cumprimento do (ainda) espírito da lei. Noutros, de acordo com levantamentos «informais», a lei ficará, porventura, como um espírito pairante, ante a indisponibilidade conscienciosa da quase totalidade dos médicos. O estatuto de objector de consciência significa, nos Açores, a ineficiência prática desta lei e desta regulamentação.
Não se julgue que discordo da possibilidade de um médico ser objector de consciência e, de acordo com a dita, não realizar uma interrupção de gravidez a pedido de uma mulher. A objecção de consciência é, nos mais variados planos, expressão de uma liberdade que a admissibilidade da IVG a pedido da mulher também procura preservar. Mas, em muitos casos informalmente reportados ou, antes, «comentados» nos bastidores, objectar projecta uma vitória na secretaria, ou a recusa em respeitar o pedido da mulher nos estabelecimentos públicos, para realizar IVG’s em estabelecimentos privados. Enfim, queria crer que casos são apenas casos, e não uma generalização de má vontade ou mercantilismo. Bem, consciência é uma coisa que muita gente tem.
O que é que esta regulamentação traz de novo? Diz-nos onde, como e quando sucederá a interrupção da gravidez a pedido da mulher.
Onde? Em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, livremente escolhido pela mulher (dentro dos condicionamentos da chamada «rede de referenciação aplicável»). E quando estes não disponham de serviço de urgência com atendimento permanente 24 horas por dia, devem garantir, por acordo, que existe um estabelecimento de saúde a uma distância-tempo inferior a uma hora, para assistir mulheres com complicações decorrentes da interrupção da gravidez, e sem quaisquer reservas.
Como? Sem ecografia! Os ecos presidenciais chegaram à portaria, mas sem ecografia. A mulher que opta por interromper a gravidez tem de prestar consentimento livre e esclarecido – num formulário-tipo – que se formará com o auxilio do profissional de saúde que a atende na consulta prévia obrigatória, pela prestação de esclarecimentos vários, mas que não implicam o confronto visual.
Quando? Sempre em tempo útil. Se a interrupção da gravidez por opção da mulher não pode exceder as 10 semanas, não pode o procedimento de consulta prévia e manifestação do consentimento obstar à interrupção da gravidez dentro do prazo legal. A portaria responsabiliza, aliás, quem disponha de poder de direcção dos estabelecimentos de saúde aptos a realizar IVG’s, pela adopção de «todas as providências necessárias ao cumprimento dos prazos previstos na lei». Entre o pedido de marcação da consulta prévia e a realização efectiva da mesma não podem passar mais de 5 dias – encolhendo-se o prazo se tal for necessário para cumprir os prazos legais. Ou seja, não ultrapassar as 10 semanas. Após a consulta, seguem-se 3 dias de reflexão, findos os quais deve ser entregue o documento que titula o consentimento da mulher. E após esta manifestação de vontade, a interrupção da gravidez terá de acontecer, no máximo, 5 dias depois, minguando novamente este prazo se tal for necessário para garantir o respeito do limite das 10 semanas.
Genuinamente agradada com a regulamentação da lei, preocupa-me – como sempre preocupou, recuando ainda aos tempos da campanha referendária – a aplicação da lei e portaria reguladora.
Se a Joana, a Maria ou a Josefina, açorianas de gema, se dirigirem a um estabelecimento de saúde oficial daquele arquipélago, com a intenção de interromper uma gravidez que não desejam, encontram tão-somente objectores de consciência.
O que é que proclama a portaria? Que nestes casos, os estabelecimento oficiais devem garantir a realização da interrupção da gravidez, pela colaboração com outros estabelecimentos oficiais ou oficialmente reconhecidos e assumindo todos os encargos que daí resultem.
Ora, imaginem que a Maria está grávida de 8 semanas e meia. Decide solicitar a marcação da consulta. Depara desde logo com a certeza de que em nenhum estabelecimento público de saúde açoriano respeitarão o seu pedido, por objecção de consciência. A consulta é marcada apenas na tentativa de esclarecer a Maria no sentido de abandonar a ideia. Não existem nos Açores estabelecimentos oficialmente reconhecidos – leia-se, as «clínicas de abortos» tão cinicamente criticadas – para onde a Maria possa ser encaminhada, a expensas dos hospitais públicos, ou seja, do SNS. É Inverno, e abate-se uma tempestade sobre os Açores que impossibilita a realização de voos entre o arquipélago e o continente. Passou uma semana e meia, e a Maria está grávida de 10 semanas. E agora, Senhores Doutores?
A Economia ensina que o mercado colmata as «falhas públicas». Talvez seja melhor ter esperança que uma dessas clínicas aparentemente maléficas perceba a «falha pública», açoriana ou de outra geografia, e abra portas.
Temos lei, temos portaria, sem ecografia, mas com objectores de consciência em risco de fazer, em pontos diversos do país, o pleno. Espero que o dia 16 de Julho seja o dia em que a Maria já não chega às 10 semanas de gravidez sem que a sua opção tenha sido respeitada.
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