– Estes nápulos indizíveis! Pascácios do aranzel! Tribofeiros da léria desamanhada!
O taxista olhou pelo retrovisor para o dr. Teles e Melo que era acometido por estridentes fungadelas entre cada imprecação.
– Como é possível, senhores, como é possível!
– O patrão está a sentir-se bem? – achou por bem perguntar o taxista enquanto ajeitava os negalhos de cabelo que lhe escorriam pelo pescoço abaixo.
O dr. Teles e Melo resfolegou durante mais uns minutos antes de responder entredentes.
– Estou, estou, estou… Os pirralhos estrampalhados, as feculências nauseabundas, os…
– Ó chefe, eu sei que não é da minha lavra, mas… – cansou-se o taxista – Palmaram-lhe a carteira ou quê?
O dr. Teles e Melo parou um segundo, com ar pasmado.
– Se me… Claro que me roubaram a carteira! Claro que me roubaram a carteira! Então o senhor motorista não vê? Esta greve geral é um autêntico roubo!
– Êh! – fez o taxista com a garganta – Não tava a lembrar-me disso. Tem razão, sim senhor. É tudo uma cambada de comunas a querer descanso.
– Descanso já têm eles muito! – vociferou o dr. Teles e Melo, encantado por se deparar com uma alma gémea – E as perdas que eles provocam ao país? E os transtornos que causam às pessoas? É o descalabro!
– Pois é bem verdade, sôtor. Quer dizer, eu aqui até me bonificio, porque o sôtor tem de vir comigo, em vez de apanhar o autocarro, não é?
– É… É… – fez o doutor Teles e Melo sem querer discordar mas com grandes dificuldades em imaginar-se dentro de um autocarro odorizado de fraldas sujas, peixeiras suadas e estudantes de feromonas em ebulição.
– Quer dizer, o sôtor, sem querer faltar ao respeito, pode pagar o táxi, mesmo que não seja muito. Mas e os que não podem? Hã? E os que não podem?
– É verdade, é mesmo verdade! – exclamou o doutor Teles e Melo que, se não fosse o peito murcho e tisnado realçado pela camisa aberta e a proeminente escova de pêlos que o taxista envergava no lábio superior, acreditaria estar perante um familiar tresmalhado.
– E se calhar o sôtor precisava de usar os serviços públicos, as finanças, a água, sei lá! E não pode!
– É claro que não! – assegurou o doutor Teles e Melo, pensando na pobrezinha da d. Felismina que, devido à greve, provavelmente não iria conseguir pagar a água no multibanco e ficaria apoquentadíssima.
– Mas, é claro, os outros desgraçados, os que não trabalham para o Estado… Oh, manguito para eles. Esses que se escamem, que se desunhem, que trabalhem que nem uns mourinhos para quê? Para nada!
– É evidente, é evidente, é evidente! – repetiu o d. Teles e Melo cientificamente à beira do êxtase místico. – E tudo devido a esse crime que é a greve! E, depois, era tão simples. Privatizavam-se as coisas e pronto! Acabavam-se as greves.
– As coisas, quais coisas?
– Então? Os serviços de água e luz, os transportes colectivos, a educação, todas essas coisas que se arrastam nas mão do estado.
– E isso acabava com as greves? Fosga-se! Ó amigo, desculpe-me, mas não está bom da cabeça. Acha que eu sou rico para andar a pagar escolas privadas e luz a peso de ouro?
O dr. Teles e Melo sentiu-se aturdido como se lhe tivesse caído o céu em cima da cabeça.
– Ora, vejamos, certamente que seria possível criar bolsas especiais para os filhos de pessoas necessitadas como o senhor…
– Necessitadas! O amigo vá chamar necessitado ao camandro, viu! Necessitado, eu? Eu luto muito, senhor! Eu tenho de aturar os ricaços como o senhor, que estão cheios dele mas mesmo assim preferem andar de autocarro e chamar-me desgraçadinho! Vá! Ponha-se mas é na alheta, que escumalha comó senhor eu não deixo alapar no meu táxi. É de desgraçadinho mas é muito meu, viu? Vá: rua mais os seus colégios particulares!
O dr. Teles e Melo desceu do táxi em silêncio. Depois, sem olhar para trás, pôs-se a caminhar pelo passeio, não sem notar com um certo contentamento que já estava bastante próximo do seu destino e não tinha tido de pagar a tarifa.
– Bem melhor do que ser acometido pelo odor a peixe suado – decidiu.
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