Poul Rasmussen, Presidente do Partido Socialista Europeu, esteve em Lisboa esta semana. Veio falar da «sua» flexigurança, conceito económico-social da era da economia global e da disseminação tecnológica. Deixou um aviso com a classificação de «inevitabilidade»: os jovens portugueses terão de mudar de emprego entre 20 a 30 vezes ao longo da sua vida laboral. Sob pena de perderem o norte na rapidez do mercado das competências e das competições.
Não pretendo discutir o conceito. De flexigurança (que, citando o DN em citação de Withagen e Rogowski será «uma estratégia política que procura, de forma sincronizada e deliberada, aumentar a flexibilidade do mercado laboral, por um lado, e reforçar a segurança laboral e social dentro e fora do mercado, por outro.»). Interessa-me listar as certezas de gerações anteriores à minha e às que se seguem – dos meus alunos, nomeadamente, que me chegam da geração de oitentas – e procurar as nossas certezas, os nossos valores, contra-valores e as nossas falhas.
Não somos uma «geração rasca», não devemos ser uma «geração à rasca», acho que somos de uma geração-que-se-desenrasca.
As gerações dos nossos pais e avós viviam sobre pressupostos quotidianos e existênciais muito distintos daqueles que hoje se nos perspectivam. Havia «emprego para a vida», havia «estabilidade», havia menos familias «monoparentais» e mais bebés, um país e um mercado pequenitos, os aviões levavam menos gente a menos lugares, os automóveis eram mais poluentes mas menos. A geração de 60 viu nascer ou foi produtora de novos paradigmas. Que aproveitaram à geração de 70, e muito à geração de 70 e muitos. E fomos apanhados na curva.
A minha geração distancia-se dos «baby booms», e contribui muito pouco para um «boom» da natalidade. A minha geração trabalha e vicía-se, independentemente da produtividade decorrente do «vício». A minha geração é protoconservadora, mas cedo percebe que dá razão às estatísticas no que toca a relações e afectos. A minha geração é egoista – ou egocêntrica? –, é tribalista e sobranceira. Altiva e competitiva. Desde os bancos da escola até à cadeira do escritório. Um desenrasca-desconfiado.
A geração de 70 e muitos, e a dos oitentas, é consumista, depressiva, acelerada, ansiosa. Desinteressada das acções em colectivo tendentes à mudança em escala. Crítica da coisa pública, afastada da política, feroz em relação aos partidos, as nossas unidades filiadoras são os clubes de futebol. Para estimular a adrenalina rivalizante. Vamos descobrindo o espaço d(n)a «sociedade civil», num desenrasca tão apático quanto competitivo.
Até aqui, os parágrafos que dedico à minha malha geracional parecem de crítica enraízada. Não é verdade. Mas aqui e ali também não é mentira. A verdade é que o mundo mudou muito, e apanhou-nos em má altura. Estávamos de fraldas no pós-25 de Abril, e de bibe na adesão à CEE. Crescemos em democracia, mas enquanto ela crescia também. Crescemos «na Europa», que é indefinida. Crescemos aproveitando o melhor que a abertura do país ao mundo nos trouxe, mas fomos apanhados pela «globalização». Temos o Euro, mas temos o défice. Temos um acesso muito mais democratizado ao ensino superior e ao conhecimento, mas não temos uma economia preparada para absorver plenamente as nossas altas qualificações. Ou sequer para nos permitir as qualificações altas.
Mas o que mais me atinge no meio deste desenrascanço que nos fulmina, é a descrença individualista na remota hipótese de mudar o que for, milimetricamente, do mundo. Mudamos de casa, vão crescendo as assoalhadas. Mudamos de par, porque o vício laboral é muito, o colega do lado espreita e ambiciona-nos o lugar ou a promoção, e numa economia de mercado a oferta afectiva é liberal e muita. Mudamos de emprego – parece que inevitavelmente condenados a mudar 20 a 30 vezes na vida, em regime de flexigurança. Até nos podemos vir a juntar a gerações que agora mudam da urbe para o campo. Mas mudamos no singular ou num plural de dois ou três. O que é que nós mudamos, efectivamente? Ficaremos na história do país com que marca? À rasca é que não! Desenrascados já não é mau. Somos um país de conservadores polvilhados com pensamentos liberais. E os de 70 e muitos ainda não desdenham a herança.
Não nos revemos em minorias senão para lhes acentuar a diferença. Somos crentes na igualdade dos géneros, mas praticamos pouco. Na roda viva da era globalizada e dos «gadgets», resta pouco espaço para a tolerância, para as mudanças que não mudem nada nas nossas difíceis e exigentes existências, e que mudem mesmo que muito pouco existências alheias.
Claro que a regra não escapa a excepções. É óbvio que estou a partir da abstracção generalizada para dar características a toda uma geração, e às suas sucessoras mais próximas. E, naturalmente, é uma personificação crítica, auto-crítica, mas consciente e nunca desistente. Quem se vai desenrascando como nós, pode muito bem virar o jogo e ser a geração que riscou o à rasca, ultrapassou o desenrasca e aproveitou as portas e janelas, e mudou. Daqui a nada temos 40. E esperam – não esperamos nós de nós próprios? – que mudemos qualquer coisa.
Mudaremos, seguramente!
novo cinco dias
acesso ao novo 5dias.net.- COLA O TEU CARTAZ, ACTIVISTA! 1. Imprime o cartaz. 2. Cola-o no local de trabalho, na escola, na mercearia, no café, na rua, onde te apetecer. 3. Fotografa-te, com os vizinhos, os amigos, o teu cão, junto do teu cartaz. 4. Envia-nos a foto para a página do Manifesto em Defesa da Cultura no Facebook e será publicada.
-
Comentários
- Raquel Varela em Bloco de Esquerda, os cães e as crianças
- Raquel Varela em O Cão de Hitler
- coronel tata em O Cão de Hitler
- Raquel Varela em O Cão de Hitler
Autores
- André Levy
- António Figueira
- António Mira
- António Paço
- bicyclemark
- Bruno Carvalho
- Bruno Peixe
- Carlos Guedes
- Carlos Vidal
- Cláudia Silva
- Eugénio Rosa
- o engenheiro
- Francisco Furtado
- Helena Borges
- João Labrincha
- Jorge Mateus
- José Borges Reis
- João Torgal
- João Valente de Aguiar
- Joana Manuel
- Manuel Gusmão
- Margarida Santos
- Miguel Carranca
- Morgada de V.
- Nuno Ramos de Almeida
- Paulo Granjo
- Paulo Jorge Vieira
- Pedro Ferreira
- Pedro Penilo
- Rafael Fortes
- Raquel Freire
- Raquel Varela
- Renato Teixeira
- Ricardo Santos Pinto
- Sérgio Vitorino
- Tiago Mota Saraiva
- zenuno
tags
15O 19M bloco de esquerda Blogues CGTP Constituição da República Portuguesa cultura democracia desemprego educação eleições Esquerda EUA Europa FMI greek riot greve geral grécia Guerra-ao-terrorismo humor i intifada mundial irão israel jornalismo liberdade Lisboa luta dos trabalhadores media música NATO new kid in the blog... Palestina parque escolar pcp Portugal presidenciais 2010 presidenciais 2011 PS psd repressão policial Revolução Magrebina Sócrates Vídeo youtubearquivo
- Julho 2013
- Janeiro 2013
- Dezembro 2012
- Novembro 2012
- Outubro 2012
- Setembro 2012
- Agosto 2012
- Julho 2012
- Junho 2012
- Maio 2012
- Abril 2012
- Março 2012
- Fevereiro 2012
- Janeiro 2012
- Dezembro 2011
- Novembro 2011
- Outubro 2011
- Setembro 2011
- Agosto 2011
- Julho 2011
- Junho 2011
- Maio 2011
- Abril 2011
- Março 2011
- Fevereiro 2011
- Janeiro 2011
- Dezembro 2010
- Novembro 2010
- Outubro 2010
- Setembro 2010
- Agosto 2010
- Julho 2010
- Junho 2010
- Maio 2010
- Abril 2010
- Março 2010
- Fevereiro 2010
- Janeiro 2010
- Dezembro 2009
- Novembro 2009
- Outubro 2009
- Setembro 2009
- Agosto 2009
- Julho 2009
- Junho 2009
- Maio 2009
- Abril 2009
- Março 2009
- Fevereiro 2009
- Janeiro 2009
- Dezembro 2008
- Novembro 2008
- Outubro 2008
- Setembro 2008
- Agosto 2008
- Julho 2008
- Junho 2008
- Maio 2008
- Abril 2008
- Março 2008
- Fevereiro 2008
- Janeiro 2008
- Dezembro 2007
- Novembro 2007
- Outubro 2007
- Setembro 2007
- Agosto 2007
- Julho 2007
- Junho 2007
- Maio 2007
- Abril 2007
- Março 2007
- Fevereiro 2007
- Janeiro 2007
- Dezembro 2006
- Novembro 2006
- Outubro 2006
- Setembro 2006
5 Responses to Geração de 70 e muitos