Palavras para quê? O Fernando Sobral é um ex-FDL da magnÃfica colheita 79/84 (a minha, por sinal) que, em vez de ter ido aplicar a justiça por essas comarcas fora, prescindiu do tratamento de sotôr e decidiu fazer outra coisa na vida, no caso ser jornalista. Neste seu mester, escreve no “Jornal de Negócios†uma crónica diária chamada “O pulo do gatoâ€; por tomar partido pelos que estão na mó de baixo contra os horrÃveis portugueses “de sucesso†(eu sempre achei que o rapaz tinha bom fundo…), aqui reproduzo com muito gosto a de terça-feira passada, com a licença do Fernando e os agradecimentos da casa.
“O sucesso é a licenciatura dos tempos modernos. Seja na polÃtica, nas empresas, na moda ou no jornalismo. O sucesso é a revolução tecnológica que este Governo quer promover. Pelo menos a acreditar numa campanha designada “Novas Oportunidades” que promete, através de uma qualquer alquimia, transformar quem não tem se tornou um vencedor, num candidato a campeão. “Novas Oportunidades”, como conceito, é uma vergonha. Vende a ideia de que as pessoas que passam a ferro, os caixas de lojas ou os executantes de milhares de tarefas indispensáveis à sociedade, são Zés Ninguém. Cria a noção de que se todos aderirem à s “Novas Oportunidades”, o sucesso chegará por e-mail. Alguém, claro, terá de fornecer esses trabalhos aparentemente inúteis neste novo conceito. Mas, a acreditar na lógica do Governo, para isso estão cá os brasileiros, os angolanos, os ucranianos e os que não têm direito à s oportunidades. Para Sócrates quem não é célebre não interessa e quem não é reconhecido não tem identidade. Esta campanha do Governo não vende ilusões: trafica desejos. E está a alimentar ainda mais um conceito cruel que se desenvolveu na sociedade portuguesa: conhecem-te, existes. “Novas Oportunidades” é a cara do PS “terceira via” de Sócrates. O sucesso está acima de todos os valores. E deve achincalhar o trabalho útil, mas invisÃvel. “Novas Oportunidades” é, simplesmente, um filme de terror governamental. Com sabor a caramelo.”
Desde que saiu a campanha das Novas Oportunidades para a rua que tem sido um ai jesus na blogosfera e na imprensa nacional, caÃram os parentes na lama, e o coro de vozes indignadas tem-se adensado de dia para dia. Dizer que o uso de celebridades é insinuar que “quem não é célebre não interessa” é, pelo menos, abusivo. Seria dificil usar um tipo anónimo em vez do Carlos Queiroz (por exemplo) e dizer, “Este é o manel dos anzois sem curso”, mesmo que o manel dos anzois até fosse médico. Seria no mÃnimo… ineficaz, à falta de uma palavra melhor. As celebridades estão lá para serem reconhecidas, para passar a mensagem, nada mais. E, quer se queira quer não, o Carlos Queiroz não seria treinador de futebol se não fosse qualificado. É verdade. Não é abuso, nem é dizer que todos os que se qualifiquem acabam a trabalhar no Manchester Utd.
Depois há este medo de chamar as coisas pelos nomes, este “ser pobre é honrado” que mais parece um resquÃcio do Estado Novo. Queremos que Portugal seja um paÃs qualificado. Porquê? Para que as pessoas tenham competências, para que o paÃs se desenvolva industrial, tecnológica, cultural e socialmente. Ok. Mas há alguém que pense “olha… vou continuar a estudar para que Portugal tenha mais qualificações”? Dúvido. As pessoas estudam para melhorar a sua vida, pelo gosto de aprender, mas principalmente para melhorarem a sua situação profissional e oportunidades de futuro. O abandono escolar (e é preciso olhar para quem é dirigida esta campanha) existe por causa da sensação que o ensino é inútil, que ser qualificado de nada serve e portanto mais vale começar logo a trabalhar. Esta ideia está errada e precisa de ser mudada. É verdade que para atingir a grande maioria dos empregos bem remunerados ou estimulantes são precisas qualificações.
Havemos sempre de precisar de quem limpe o lixo, corte a relva e sirva à mesa? Sim, claro. Sempre. Isso não quer dizer que se diga à s pessoas para não pensarem e sonharem mais além. Até num paÃs como o Japão, onde mais de 90% da população tem acesso ao ensino superior, os serviços básicos são cumpridos. Haverá sempre gente para os fazer. E se tiverem uma qualificação (técnica, profissional, o que seja) apenas significa que o farão (em princÃpio) melhor.
Concordo em grande parte com MPR. A resposta que o BE entretanto produziu enferma do mesmo problema que aponta à campanha que tenta destruir. Afinal aqueles são ou não empregos dignos? Afinal, sempre há um problema em trabalhar numa pastelaria?
Todos os empregos são dignos.
Qualquer trabalho honesto tem que ser dignificado.
A campanha do governo é de manifesto mau gosto, ainda mais numa altura em que se discute se se deve estudar por fax ou presencialmente.
Que paÃs pretendemos e que formação pretendemos para os nossos futuros cidadãos e em função de que paradigma de desenvolvimento.
Ou apenas queremos produzir mais uns cartazes…..
“Para Sócrates quem não é célebre não interessa e quem não é reconhecido não tem identidade. Esta campanha do Governo não vende ilusões: trafica desejos. E está a alimentar ainda mais um conceito cruel que se desenvolveu na sociedade portuguesa: conhecem-te, existes. “Novas Oportunidades†é a cara do PS “terceira via†de Sócrates. O sucesso está acima de todos os valores. ”
Mas será que quem escreveu isto estava sóbrio?
O que o MPR escreve é do mais elementar bom senso. Será que, pela blogosfera fora, é assim tão difÃcil concordar com o que ele diz?
A falta de qualificações é ou não o maior problema estrutural de Portugal hoje em dia? A educação é ou não é um direito fundamental que assiste a qualquer cidadão? O abandono escolar é ou não é um gravÃssimo problema que urge resolver e que tem consequências a todos os nÃveis na sociedade e economia portuguesas? O governo tem ou não obrigação de tomar medidas para atacar estes problemas? O Novas Oportunidades é ou não uma medida nesse sentido?
E estamos para aqui a discutir a utilização de famosos nos cartazes… Insulto é deixar que os jovens abandonem a escola e entrem para o mercado de trabalho em empregos mal pagos sem prespectivas de progressão profissional, logo económica, logo social. Não basta dizer que os empregos são dignos, é preciso dignificá-los (de preferência materialmente, que palavras bonitas não dão de comer a ninguém).