Autor: Rui Tavares
(Público, 3 de Abril)A extrema-direita comporta-se como uma infecção oportunista num corpo debilitado. Sabe que tem de aproveitar, agora, a crise da direita enquanto esta lhe dá condições ideais para crescer.
Comentando a visibilidade crescente da extrema-direita na sua coluna de sábado neste jornal, Pacheco Pereira sugere que ela é concomitante do politicamente correcto e da atitude geral da esquerda. Previsível: o discurso da “hipocrisia da esquerda” é o tema único dos nossos neoconservadores, que lhe atribuem tudo e a morte do Manolete. Desde o cavaquismo que esta é a cantilena de Pacheco Pereira. Ainda não aprendeu uma nova.
Se olharmos para a esquerda, o que vemos? O PS está no governo, o PCP e o BE sobem sondagem após sondagem. A batalha histórica da despenalização do aborto foi ganha com quase 60% dos votos, alguns dos quais de uma direita desamparada pelas suas lideranças. Não é à esquerda que estão os votos e também não é ali que estão as causas. A extrema-direita tem visibilidade porque tem actividade, e o motivo precipitante da sua virulência está bem em frente do nariz de Pacheco Pereira. Com o PSD exangue e o CDS em cacos, a extrema-direita comporta-se como uma infecção oportunista num corpo debilitado. Sabe que tem de aproveitar, agora, a crise da direita enquanto esta lhe dá condições ideais para crescer.
Não vale a pena fingir que não vemos gravidade nisto. As pessoas esquecem-se, mas desde o tempo das FP-25 – como o nome indica, uma excrescência do período pós-revolucionário – que há mais de vinte anos a violência política em Portugal veio sempre desta extrema- direita. Espancaram um actor, esfaquearam até à morte um sindicalista, fizeram uma “caça ao negro” pelas ruas de Lisboa, e em matilha assassinaram o português Alcino Monteiro pelo crime de ser mulato e passear pela cidade. Recentemente foram provocar imigrantes para o Martim Moniz, apostaram forte no concurso dos “Grandes Portugueses” e passaram para a fase da propaganda xenófoba. Mudam de sigla, contornam cuidadosamente a lei, fazem da desonestidade a táctica principal. Quem tiver estômago para os procurar na internet verá que se estão a organizar. Os jornalistas que se dão ao trabalho de os investigar ficam assustados com histórias de tráfico de drogas e extorsão. Mas quando eles vieram empunhar orgulhosamente as suas armas ilegais na TV, o mesmo Pacheco Pereira que vê sinais alarmantes em todo o lado minimizou o assunto para inventar fantasiosas equivalências com a esquerda. A mesma tese que continua a reciclar.
Se o problema não desaparece por o minimizarmos, será que para o levarmos a sério teremos de importar a agenda da extrema-direita? Grave erro. A questão não é a “hipocrisia sobre a imigração” que alega Pacheco Pereira. É a hipocrisia sobre o racismo. A nossa direita blasé tem dificuldade em chamar os bois racistas, violentos e criminosos pelos respectivos nomes de racistas, violentos e criminosos. Prefere antes escandalizar-se com o escândalo da esquerda.
Ora o escândalo da esquerda não é ineficaz por estar errado. É-o porque atinge apenas o seu auditório, maioritariamente já convencido. Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário televisivo, atacou os racistas enquanto “homem de direita”, demonstrando que ao contrário de Pacheco Pereira percebeu essa ideia simples. A direita tem de cair na realidade actual e fazer, se for capaz, um discurso anti-racista para o seu próprio eleitorado. Quanto mais não seja porque são os vossos eleitores – actuais e futuros – que os racistas sonham roubar- vos. Com mil raios, será que teremos mesmo de vos explicar tudo?
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