Vivíamos no século passado. Estava desempregado. Tinha trabalhado mais de 16 horas por dia no semanário “Já”. As duas dezenas de trabalhadores tinham dado o máximo, durante um ano, mas apesar do esforço o jornal acabou. Tentámos fazer um jornal de esquerda, com 100 mil contos, e falhámos. Durante a ressaca do “Já”, tinha lido numa revista um artigo sobre um novo programa escândalo num canal de televisão norte-americano. Parecia que um tal de Michael Moore fazia uma emissão chamada “TV Nation” que encurtava as fronteiras entre ficção e realidade: fazia acções estranhas, tinha candidatado um ladrão, vindo da prisão, a presidente dos Estados Unidos da América, no Estado do governador George W. Bush.
Não me apetecia voltar para a redacção da SIC. O Sérgio Figueiredo propôs-me a editoria de Cultura no Diário Económico, mas eu tinha uma ideia fisgada. Não me saia da cabeça o texto do Moore e mandei a proposta de um formato ao Emídio Rangel. A SIC ficou interessada, falei com o Luís Rainha a quem tinha “cravado”, muitos anos antes, para imaginar com o Armando Lopes a campanha inicial e o símbolo do SOS Racismo. E fizemos o guião de vários programas. Rangel tinha visto o espanhol “Caiga quien Caiga” e os debates do “Moros y Cristianos”. A nossa proposta, que era uma espécie de um telejornal alternativo, transformou-se num programa de debate com reportagens algo especiais. Os “factoídes” alimentavam o debate sobre questões polémicas. Começámos a rodar o programa sabendo que a partir do momento que ele fosse para o ar , seria muito difícil passar despercebido.
Tentámos “atirar-nos” a todos os nossos alvos ao mesmo tempo. Forjámos uma manifestação de loiras que diziam contestar “os mecanismos de imposição do machismo na cultura popular e nas anedotas de loiras”, para provar que agendas noticiosas estavam cada vez mais sensacionalistas: não houve órgão de comunicação que não desse um grande destaque, maior do que dão a qualquer manifestação de dezenas de milhar de professores; candidatámos um jovem cigano à Câmara Municipal de Vila Verde, para demonstrar que continuávamos num país racista; e criámos uma Igreja que atraiu uma centena de fieis à nossa missa em Beja, para demonstrar como este é um Portugal à espera de milagres fáceis.
Armámos uma verdadeira tempestade. Passámos rapidamente a inimigos públicos de uma série de bem pensantes, mal pensantes e assim-assim. Acusavam-nos de levar à prática a ideia de querer “vender presidentes como pastas de dentes”, diziam que preparávamos a candidatura de Pinto Balsemão à Presidência da República, o presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas inventou que tínhamos despedido uma figurante da manifestação das loiras. Como cantava Brassens em “La Mauvaise Réputation” : “Tout le monde me montre du doigt sauf les manchots, ça va de soi”. Apesar de termos tido um milhão de duzentos mil espectadores por noite, a pressão era muito grande. Rangel não temia o confronto e “aguentou-nos” durante 23 programas até acabar com os “Filhos da Nação”. Conseguimos perceber à nossa custa, que um hoax feito dentro da televisão é muito difícil. As pessoas pensam que tudo o que vêem na televisão é real, tanto a telenovela como o telejornal. De nada servia denunciar as falsidades no meio da falsidade. Provavelmente, Michael Moore safou-se disso, porque já tinha uma grande reputação como activista. O contexto é grande parte da leitura. A ingenuidade e a culpa foi sobretudo nossa. O programa estava a léguas das nossas ideias. Mas a imprensa mais imbecil da Europa ajudou ao disparate. Vejamos, por exemplo, os nossos comentadores: há mais de 30 anos que são os mesmos. Já na altura estes “jovens turcos”, eram “jovens” comentadores com 20 anos de serviço. Só podia dar raia. A maior parte desses tipos faz a mesma crónica há dezenas de anos e não conseguiam ver uma notícia mesmo que ela lhes caísse ao colo.
Temos de facto, uma cultura de subserviência, como dizia, num outro contexto, Steven Colbert na gala dos Correspondentes em Washington: ‘a administração é quem manda, envia-vos os textos, vocês corrigem os erros ortográficos e depois vão para casa ter com as vossas mulheres e escrever aqueles romances sobre o intrépido jornalista que afronta a corrupção e os poderosos, livros de ficção”.
Num dos últimos “Filhos da Nação” refizemos, numa rádio em Monsanto, uma versão da emissão da “guerra dos mundos” de Orson Welles, a população foi para a rua de noite, pensando ter aterrado uma nave espacial. Há coisas que resultam sempre.
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Há coisas que resultam sempre porque um marciano é sempre um marciano.
Belos dias esses: pagavam-nos para nos diertirmos como malucos em dia de greve dos médicos.
E aquele gorducho chato que anda sempre a perseguir o ben hur?
A malta bem aqui, participa, diz o que pensa, e só saem uns miolitos. Aquela menina Joana disse, na televisão, para a gente participar, que os blogs é uma coisa fantástica (?) e, no bim, as nossas palabrinhas bicam no beco dos reciclados.
ah, só agora li…o “SE FOR APROVADO”…
tudo bem, aceito.