Ainda está em exibição em Lisboa (no King) Paradise Now, um filme palestiniano sobre dois bombistas suicidas. Tem aspectos esquemáticos, designadamente um diálogo entre um personagem que defende o bombismo e outro que defende a resistência pacífica (e o segundo é mulher e bonita e letrada). Mas globalmente é um bom filme, uma boa surpresa. Para mim, a surpresa maior foi ver que o filme não é sobre Israel, nem é directamente sobre a ocupação. É um filme sobre os palestinianos, que não saem bem no retrato: há demasiado fanatismo religioso, e autoritarismo, e corrupção moral entre aqueles oprimidos. A cena mais reveladora e cruel é a do clube de video onde se alugam, como objectos de entretenimento, gravações das declarações finais dos bombistas suicidas – e (salvo erro a preço mais caro) filmes de confissões de «traidores» prestes a serem fuzilados. Não é um filme anti-palestiniano, evidentemente: é um filme crítico da ocupação, pelo que mostra da degradação permanente a que são sujeitos os ocupados; mas é um filme crítico da ocupação a partir do retrato pouco rosado que nos dá dos ocupados. Pelo contrário, a única imagem que nos é dada ver de Israel, por entre uma viagem de carro, resulta bastante simpática, uma imagem de arranha-céus resplandecentes de modernidade, no contraste com o que antes víramos de poeira e de lixo.
Tudo isso vai muito longe para evitar o maniqueísmo e para nos ajudar a perceber a situação em que se encontram aquelas pessoas – num filme que se colocava perante o problema dificílimo de tratar um bombista suicida como um personagem de carne, osso e densidade psicológica. A solução encontrada para a cena final, e para o protagonista da cena final, na sua imensa complexidade de motivações amáveis e desprezíveis, o silêncio absoluto, parece ter resultado muito bem, que na sessão em que eu vi o filme durante muitos segundos não se ouviu uma mosca.