Um dia um amigo com mais experiência destas coisas comentava que, em Portugal, seria impossÃvel aparecer um jornal de esquerda sem ser ligado a um partido. Dizia que, a partir do momento em que uma matéria beliscasse um ou outro dos sectores à esquerda, imediatamente se desencadearia um processo de rejeição e denúncia queimando o seu público alvo. Foi por isso que todas as experiências tentadas foram caindo por terra.
Escrevo-o no momento em que cada um dos profissionais do Público aguarda que o seu nome não seja chamado – no que já sucedeu ontem no El PaÃs e vai sucedendo na Lusa.
A denúncia dos interesses por trás de cada um dos jornais do capital, não nos deve fazer esquecer que, muitas vezes, conseguimos colocar um pauzinho na engrenagem. Uma reportagem aqui, um texto importante ali, uma denúncia acolá. Quem o faz são, quase sempre, os primeiros a ouvir o seu nome em dias como os que hoje se vivem na redacção do Público. A eles, não aos seus patrões, devemos muitas notÃcias que não nos chegariam de outra forma. Hoje é o dia para enaltecer o seu trabalho e elogiar a sua coragem.
P.S. – Já agora, sobre a “sustentabilidade” financeira da Sonaecom, é favor ler:
A Sonaecom teve um lucro recorde de 62,5 milhões de euros em 2011, mais 51,8% face ao exercÃcio anterior, mas abaixo do esperado.
Não percebo sentido da ideia da frase “a partir do momento em que uma matéria beliscasse um ou outro dos sectores à esquerda, imediatamente se desencadearia um processo de rejeição e denúncia queimando o seu público alvo.”
Dá para se destrocar. Obrigado, Tiago.
No Expresso, e as conclusões são suas:
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O processo de reestruturação em curso no “Público” decorre dos crónicos problemas financeiros que o jornal vem apresentando desde a sua fundação. Só nos últimos cinco anos – e apesar dos vários processos e reestruturação e de corte de custos promovidos internamente – o prejuÃzo acumulado do “Público” ronda os 13 milhões de euros.
Recorde-se que já no final de 2011 a administração do tÃtulo tinha avançado com uma proposta de lay-off de 21 trabalhadores e de redução salarial temporária a todos os trabalhadores com salários acima dos 1600 euros. O objetivo era atingir uma poupança anual de dois milhões nas despesas do jornal.
Essa proposta viria, no entanto, a ser retirada, depois de ter sido chumbada por unanimidade pelos trabalhadores do “Público”. Em contrapartida, a administração do jornal avançou com um corte mais alargado e mais prolongado nos vencimentos dos funcionários do jornal.
Publicações no Brasil que vale a pena acompanhar:
http://revistapiaui.estadao.com.br
http://carosamigos.terra.com.br/
http://www.diplomatique.org.br/
Abraço
Eu penso que a não viabilidade de um jornal de esquerda com tiragem decente e distribuição ampla se deve não a eventuais beliscões, mas ao facto de um diário hoje não sobreviver sem ter acesso normal à banca. A banca jamais aceitaria financiar um projecto informativo que a afrontasse.
Esta situação não é algo que me surpreenda.
Com efeito, a agenda ideológica do Público vem, desde há anos, a diminuir e apoucar a oposição à esquerda do PS e os movimentos de esquerda e sindicais em geral.
Quando existem manifestações gigantescas destas entidades o Público encontra sempre forma de apenas dar uma foto parcelar, de caricaturar, se possÃvel mostrando um idoso qualquer agarrado a uma bandeira vermelha, procurando mascarar a dimensão dos protestos. As posições dos movimentos de esquerda são sempre notas de rodapé, citações truncadas e descontextualizadas, notas de pé de página.
Quem não se recorda, ainda recentemente, da diferença de tratamento entre as manif’s do 15 de Set. e da CGTP. Quem não recorda o quase silenciamento das propostas alternativas que vão surgindo. Quem não se recorda de que as propostas da CGTP foram quase ignoradas. Quem não se recorda que a esquerda parlamentar (fora PS) é sempre tratada como sendo radical e irresponsável. Quem não se recorda da sucessiva saÃda de colunistas de esquerda.
Durante anos os jornalistas do Público mantiveram-se ideologicamente ao lado daqueles que, hoje, lhes tiraram o tapete.
Ajudaram a dificultar o caminho de quem se opõe à barbárie, aos despedimentos, à perda de direitos, à redução de salários, à degradação dos serviços públicos e ao empobrecimento.
Eles fizeram a sua escolha. O resultado está aÃ.
Sim, de facto o Público publicou, antes de 29 vários artigos sobre a manifestação “da CGTP” e sobre o 15 de Setembro apenas fez aquela peça encomendada sobre a violência que se previa.
Caro Tiago,
A Sonaecom apresentou lucros, mas o Publico prejuÃzos. Aliás o Publico apresenta prejuizos a nÃvel operacional (ie antes de custos financeiros e impostos) desde ha varios anos, o que denota a sua insustentabilidade estrutural. Esta pode ser assacada a varios factores – desde logo fracas receitas/numero de exemplares vendidos.
Parece-lhe que a Sonaecom queira repensar/restruturar um projecto que a faz perder dinheiro desde ha varios anos?
João, num grupo económico nem todas as empresas são para dar lucro. Há empresas que, pela sua natureza ou condições especÃficas, até podem dar prejuÃzo. O problema não é esse. Os desinvestimento da Sonaecom no jornal Público é motivado por uma decisão polÃtica e não financeira. Mas, ainda assim, esse não é o tema deste post.
Há empresas que, pela sua natureza ou condições especÃficas, até podem dar prejuÃzo. ??????
Só se houver uma offshore para compensar!
“num grupo económico nem todas as empresas são para dar lucro. Há empresas que, pela sua natureza ou condições especÃficas, até podem dar prejuÃzo”
É possÃvel, mas isso não parece enquadrar-se neste caso.
Porque é que a SONAECOM tem que manter um jornal que lhe dá prejuÃzo?
Mas que margem existe para dizer que se deve a uma decisão polÃtica?
Há tantos anos que o fecho se anuncia e só lhes deu agora pq?
Como se escreve no Insurgente, e bem, o facto de o grupo económico ter lucro não quer dizer que não tenha o direito de fechar o jornal se assim o entender. Já se sabe que os jornalistas também precisam de pão para a boca, mas o Público e os jornais mais de esquerda por essa europa fora, quando estão são propriedade da burguesia, contribuem mais para impedir a radicalização das massas do que os blogs na era da internet. Por exemplo: quantos artigos escritos por pessoal abertamente anti-capitalistas publicou o Público desde que foi fundado? Pessoalmente não vejo televisão nem leio jornais, e acredito que o mundo seria bem mais politizado se de repente meio mundo se encontrasse num mundo onde a informação que circulasse fosse uma não-mercadoria.
Publiquem estas incrÃveis fotos na coreia do norte http://www.businessinsider.com/north-korea-photos-provide-a-glimpse-into-a-changing-world-2012-7?op=1
Tiago, julgo que o problema da existência de um jornal de esquerda tem mais a ver com a sua subsistência económica e não com os hipotéticos conflitos que haja entre os seus membros, senão um blog como o 5dias já há muito tinha ido à vida.
O problema parece-me a mim, que não percebo nada de jornalismo a não ser ler os jornais, é a publicidade, nomeadamente a institucional e das grandes empresas, porque a verdade (digo eu) é que um jornal sem publicidade (e muita) não sobrevive, que o diga a malta que compra o “Espesso”.
Abraço
Olha que não… O 5dias é um caso diferente, não paga contas a ninguém mas também não custa dinheiro a ninguém. É de acesso livre e gratuito.
Ao invés, tens algumas experiências ao longo dos anos 90 que não tiveram continuidade. Lembro-me do “Já” ou da “Vida Mundial”.
Olha que não para que parte?
O jornal de esquerda não se aguenta por falta de publicidade e de apoio de investidores. O Paulo Pinto Mascarenhas pôde manter durante dois anos o lixo da Atlântica por ter a publicidade de um banco, mesmo sendo apenas lida por ele e por mais duas pessoas. Objectivo? Ao banco interessava propagandear este modelo que temos hoje. Nunca um banco faria isso à esquerda.
A esquerda só aguenta um jornal se este for muito vendido: Leia-se aos 200 mil exemplares. Ora, a esquerda está toda precária ou desempregada. E nem o Correio da Manhã vendeu isso uma vez na vida que fosse.
E claro que não é o online que salva. Ou bem que o Estado assume a propriedade de jornais de modo a assegurar o direito à informação e o pluralismo ou esse não ocorrerá. Numa coisa mais ou menos dou razão ao Pacheco Pereira, pois ele não o concluiu. Os jornalistas são ou de direita ou quando se lembram de ser organicamente de esquerda apenas privilegiam o lado populista deitando fora partidos, por exemplo.
Tiago,
Desculpe insistir, mas nao percebo que num grupo económico nem todas as empresas sejam para dar lucro. Quem financia esses prejuÃzos? O Tiago?
O que poderá querer dizer é que na logica de um grupo economico, a existencia de uma unidade (mesmo com prejuÃzos) pode permitir sinergias e lucros mais elevados de outra unidade, beneficiando o Grupo como um todo (resultados consolidados). Mas o caso da Sonaecom/Publico nao se insere nesse paradigma.
Nao ha necessidade de procurar uma teoria cabalÃstica (“decisao polÃtica”) quando se trata meramente de lógica economica/sobrevivencia (com pena obviamente das inerentes consequencias quer, principalmente, ao nÃvel das pessoas afectadas, quer ao nÃvel da qualidade do jornal, que deverá acentuar a sua deterioração dos ultimos anos).
Saudaçoes,
O Público tem uma mais valia não-financeira.
Não quer especificar?
O que é que o Público dá à Sonaecom que compense o seu prejuÃzo?
Dá a defesa da situação económica e social em que vivemos, um ponto de vista massificado sobre economia e sociedade que interessa aos negócios de belmiro e ao seu grupo económico. Ou acha que o mantém há vinte e tal anos a dar sempre e desde sempre prejuÃzo por ter uma paixão assolapada pela informação?
O ‘Público’ é uma merda. Uma merda criada e reforçada por gente como Vicente Jorge Silva e José Manuel Fernandes. Se tem prejuÃzos é porque não se vende. E não se vende porque é um pasquim nojento. Criem um jornal que defenda real e inteligentemente os valores de esquerda, e esse jornal não correrá o risco de ir à falência. Entreguem esse jornal a mercenários, e em breve desaparecerá. Por mim dispenso bem um tal orgão de desinformação…
Mas alguma vez o Público foi um jornal de esquerda? Mas algum grupo económico alguma vez financiará um jornal de esquerda?
PS: estou a falar de esquerda a sério – marxista, antimonopolista, anti-imperialista e anticapitalista – e não de social-democracia disfarçada…
Um jornal diário, seja ele o que for, tem custos todos os dias e todos os dias nasce por volta da meia noite e morre cerca das 10 da manhã do dia da sua publicação, se lá chegar
Uma regra que me contaram em tempos era muito simples, o jornal deve ir para a rua pago, ou seja a publicidade que contém já deve ter pago os seus custos de produção e distribuição.
Quando se fala em publicidade, para além da venda do espaço, há a chamada publicidade institucional, e num jornal regional, por vezes basta o tribunal ou conservatória da zona cortar as dezenas de anúncios do mais diverso tipo, para levar ao fecho da loja, imaginem agora quando as grandes compradoras de espaço resolvem pôr um carimbo na fronte de um qualquer jornal, nos tempos que correm
O resto o seu conteudo é outra história
Quer queiramos ou não não será com militância que poderá viver
ps: nem sempre é verdade, tempos houve em que um jornal recusava publicidade, ou a que continha era disputada por todas as agências e viveu muito bem durante anos. Era a Bola quando trisemanário