A imprensa burguesa, mesmo a mais liberal e «democrática», aponta para uma moral digna das Centúrias Negras quando discute o assassinato do aventureiro português.
Vejamos, por exemplo, o correspondente de um dos melhores jornais democratas-burgueses da Europa, o Frankfurter Zeitung. Ele começa a sua história por um relato meio humorÃstico sobre a forma como os correspondentes, como se mergulhando sobre a sua presa, acorreram a Lisboa logo que se souberam as sensacionais notÃcias. «Partilhei um compartimento na carruagem-cama com um conhecido jornalista londrino, que começou a gabar-se da sua experiência», escreve o cavalheiro. «Já tinha estado em Belgrado na mesma missão e considerava-se ‘um correspondente especial para casos de regicÃdio’».
Correspondente para regicÃdios
Com efeito, o que aconteceu ao rei de Portugal é um verdadeiro «acidente de trabalho» a que estão sujeitos os reis. Não admira que tenhamos correspondentes profissionais especializados na descrição dos tropeços profissionais de Suas Majestades.
Mas por mais forte que seja o sensacionalismo barato e vulgar nestes correspondentes, a verdade arranja maneira de vir ao de cima. «Um lojista residente no bairro comercial mais movimentado» contou ao correspondente do Frankfurter Zeitung o seguinte: «Mal soube o que acontecera pendurei à porta uma flâmula de luto. Mas logo fregueses e conhecidos começaram a entrar e a perguntar-me se estaria no meu perfeito juÃzo ou determinado a arruinar o meu negócio. Quer dizer que ninguém revela sentimentos de compaixão, perguntei-lhe. Meu caro senhor, não iria acreditar nas respostas que me deram! E assim retirei a flâmula de luto.»
Resto do texto aqui
Publicado originalmente em Proletary, n.º 22, 19 de Fevereiro [3 de Março] de 1908. Tradução de António Paço para Revista Rubra nº 4, 2009.
No que me diz respeito, enquanto acho que um povo deve saber usar da força da sua soberania quando isso é necessário para o bem comum, já fico algo perplexo perante as manifestações de violência tão gratuita como inútil. O regime que se seguiu ao que era encabeçado por D.Carlos I provou não ser fundamentalmente melhor, ficando assim demonstrado que a remoção dos sÃmbolos pode acalmar os maus instintos mas não resolve nada. Transpondo a questão para os nossos dias, alguém acha que se resolvia a situação do nosso paÃs enfiando uns tiros em AnÃbal Cavaco Silva? Se a resposta é negativa, como calculo que seja, fico a pensar na utilidade real da transcrição deste artigo…