Um contributo para o Congresso Democrático das Alternativas (versão integral)
Cedendo – estrategicamente – ao encaixotamento das discriminações num campo próprio, estanque e frequentemente menorizado das lutas, escrevi o presente texto como contributo para o eixo ‘Uma Sociedade Mais Justa e Inclusiva’ do CDA. Mas poderia – e importa mais dizê-lo em tempos de afunilamento do debate polÃtico na Economia – ser incluÃdo em qualquer dos outros eixos da compreensÃvel organização temática deste Congresso, desde a oposição ao Memorando da Troika à democracia plena, na medida em que é ineficaz e errado querer combater o todo sem ver ou relacionar as partes, leia-se, hierarquizar as lutas (ou as pessoas, que nunca se resumem a uma única caracterÃstica, ou as suas diversas motivações e vias de consciencialização para a intervenção social e polÃtica).
Do particular do movimento LGBT… ou porque não, não nos falta só a adopção:
Atentar na realidade concreta das vidas permite compreender que as discriminações e desigualdades sociais de todo o tipo determinam a desigualdade dos impactos desta crise económica e social; que mesmo direitos reconhecidos – se sobreviverem formalmente à ofensiva ultra-liberal – podem tornar-se inacessÃveis quando as condições materiais das vidas se alteram dramaticamente; que nenhuma temática ou movimento é uma ilha.
Exemplificando com um tema historicamente caro ao movimento LGBT – e apenas no exemplo parcial da área da Saúde/polÃticas de prevenção/ataque generalizado ao SNS – observemos o significado da ameaça de extinção do programa de troca de seringas nas farmácias ou do racionamento drástico e em curso dos preservativos disponÃveis para distribuição gratuita – principais vias da diminuição da taxa de novas infecções pelo VIH em Portugal –, ou ainda as recentes declarações do Presidente do CNECV sobre racionar medicamentos e tratamentos a doentes com sida (ou oncológicos), que mais não são que um providenciar de cobertura a práticas já a serem impostas nas unidades de Saúde pelas medidas de contenção. Quantos movimentos, para lá dos profissionais de saúde e dos utentes organizados, não têm que ver com isto ou uma perspectiva própria sobre o tema?
Falsamente semi-concluÃda uma agenda legal de luta pela igualdade formal – não fosse a) ter-se gorado a melhor oportunidade de legislar sobre igualdade parental com a invenção nacional e mundialmente inédita do “casamento sem adopção†ou b) a manutenção de várias outras discriminações legais como a dos homossexuais masculinos na doação de sangue –, é fácil perceber a adversidade do contexto legislativo actual e a forma como a precarização do conjunto das vidas está a afectar de maneira própria diferentes grupos sociais. Perante a brutalidade actual, qualquer movimento social tem que se reequacionar e à sua agenda, e requestionar as fronteiras dos “seus†temas estritos, tal como é irracional debater medidas de contenção económica sem atentar aos seus efeitos sociais, logo, à s diferentes frentes da sua contestação.
… ao geral dos partidos e dos movimentos:
Sabemos a teoria: há o partido e há o movimento social. Por vezes, os partidos estão legitimamente na génese de movimentos, assim como os movimentos influenciam os partidos na procura de tradução polÃtica/institucional das reivindicações. Ao contrário do partido, o movimento – débil no Portugal moderno – tem as limitações de possuir uma agenda parcial e finita no tempo, ser efémero e não possuir matriz ideológica comum ou formação polÃtica abrangente. Demasiado simples. Preconceito, menorização, mas também erro de análise polÃtica. A diversidade e efemeridade do movimento social são a sua maior riqueza, enquanto a sua parcialidade temática é relativa e depende, na verdade, do grau de politização/radicalização – capacidade de ligação entre lutas – das suas componentes. E não existe melhor escola de acção e formação polÃtica que o confronto com a contradição quotidiana do terreno e com as pessoase as suas ideias, sem a qual seria estéril, incompleta e distorcida a formação polÃtica e ideológica adquirida nos partidos e estarÃamos também a fazer polÃtica para ninguém.
São comuns as tentações e tiques de substituição, instrumentação ou frentismo na prática de militantes de qualquer partido da esquerda nos movimentos sociais, mesmo quando é diferente a teoria. Uma cultura não se desfaz por decreto. A própria relação institucional entre partidos e movimentos é frequentemente distorcida pelas necessidades da disputa parlamentar ou eleitoral.
Se os interesses próprios dos movimentos sociais não se coadunam com o facilitismo de compromissos com o Poder do momento, muito menos com a imediatez da disputa partidária ou a divisão do momento. A experiência da militância partidária no movimento social só é uma mais-valia enquanto essa participação é inteiramente generosa, descomplexada, aberta e… em função dos interesses e objectivos próprios do movimento social. Possam as esquerdas encontrar-se, em vez de se degladiarem, neste campo e teremos melhores movimentos e melhores esquerdas.
A “caridade†ou assistência social directa revela-se uma vez mais, nesta crise, o modelo dominante e mobilizador da maior parte da “participação cÃvica†no paÃs. Em qualquer área temática, o associativismo é frequentemente ou conotado (ou prolongamento de organização partidária), ou dependente (de financiamento estatal), ou demasiado legalista, incapaz, por vezes, de olhar para lá do quadro institucional, medroso de outras formas de actuação e, em geral, pouco participado. Factos – provavelmente em mudança acelerada no paÃs de hoje, como aliás algumas formas de organização polÃtica e dos movimentos, mesmo quando parte destas “novas†formas não consegue ultrapassar os velhos modos. Mas tudo o resto são desculpas.
vens? há um paÃs para construir. vens, amigx?