Ao invés de se curar o trauma da burocracia com uma burocracia melhor, seria preferÃvel que houvesse mais preocupação em interpretar direcções democráticas e, sobretudo, melhores polÃticas. Enquanto isso continuar a ser uma miragem para parte significativa da esquerda, o quem é quem dos representantes dificilmente permitirá discutir, aprofundar e escolher os caminhos que se seguem, sendo que os nomes continuarão a obedecer aos vÃcios assimilados, aos complexos jogos de poder da teia partidária e, claro, à s escolhas do grande lÃder.
O BE, que inicialmente procurou, e bem, substituir os presidentes e os secretários-gerais por porta-vozes, acabou por criar o único lÃder insubstituÃvel, sobretudo aos olhos de quem já devia estar preparado para o render. Em mais de uma década foi incapaz de formar uma nova geração para assumir o partido pelo que apenas lhe resta o retrato desgastado da renovação, convenientemente decorado pelo género oposto. O primeiro, o inefável Semedo, ficará célebre por ter acusado a dissidência de parasitar o partido, a segunda, a simpática Catarina, por assumir que estava no parlamento e no BE não para fazer polÃtica mas para tratar da cultura. Em toda esta discussão não haverá uma virgula quer sobre os erros do passado, nem uma ideia sobre o que se quer para o futuro.
A experiência cidadã, nomeadamente nos Fóruns Sociais, já tinha mostrado que uma organização que proclama a ausência de uma direcção, de uma liderança e de lÃderes, tem na verdade uma direcção, uma liderança e lÃderes duplamente perniciosos. Sem o estorvo da decisão sobre como e quem dirige, dispensa-se o estorvo de sequer ter que ser eleito e poupa-se, naturalmente, o desconforto de ser confrontado com a hora de saÃda. Não se chega verdadeiramente a ser escolhido e apenas sobre si recai a responsabilidade de decidir sobre o tempo e o espÃrito das coisas.
Francisco Louçã continuará assim a ser o principal dirigente do Bloco de Esquerda e, tal como de todas as outras vezes, vai voltar a prescindir de ser eleito. O paternalismo da sua carta e a fé suprema dos seus súbditos – “Quem nos vai guiar neste momento tão difÃcil?” pode ler-se num dos comentários – é disso um dramático exemplo e um reflexo cruel do vazio de quadros e de estratégia que reina na coligação do PSR, da UDP e do Manifesto.
Não sobra BE ao Louçã, mas sobrará Louçã ao BE.
Renato, acho que andaste um pouco distraÃdo em relação quanto à Catarina Martins, que subestimas muito. E acho um pouco lamentável a menção pejorativa à sua luta pela cultura – é suposto os contributos dos deputados serem complementares e (surpreendentemente) no BE, como (ainda pior) nos outros partidos, a despreocupação em relação à Cultura costuma ser desavergonhada. Não fosse ela, e nos últimos anos a Cultura não teria tido uma única voz capaz naquele parlamento.
Bem, há ali uma gralha na primeira linha, mas tu percebes. Um abraço.
Percebo mas sem querer escreveste bem. Nota que quem subestima a simpática Catarina é quem defende que um activo importante na luta da cultura seja sacrificado para a realpolitik da liderança partidária, sobretudo se estivermos a falar de alguém que sempre assumiu não estar para aà virada. Face a isso apenas se compreende a solução como um fetiche paritário, que na minha opinião em nada contribui, também, para a emancipação de género.
Não percebo. Se lhe reconhecessem como principal bandeira a economia também seria contra-indicado queimarem a suposta especialista em economia ao escolherem-na para lÃder do partido? Ou a Cultura, enquanto assunto polÃtico, exige exclusividade e os seus especialistas devem abster-se de lidar com a chamada realpolitik? Convenhamos que é uma noção redutora sobre Cultura que me custa a imaginar replicada face a outros temas. O que sei é que a liderança partidária não impede a luta pela Cultura e que a Catarina Martins tem raras capacidades e uma excelente preparação. Talvez sejam virtudes de quem sempre treinou uma visão abrangente do paÃs e não apenas do partido ou do parlamento.
Pois é, mas é a que a simpática Catarina sempre reivindicou. A assumpção – Eu estou aqui pela cultura, não pela polÃtica – é dela.
Hás-de fazer-me o favor de citar a afirmação ou afirmações em que ela deixou isso claro, porque eu sempre a ouvi dizer e vi fazer o contrário. É um pedido sincero – ficarei genuinamente surpreendido se mo mostrares e imediatamente concordarei que será a escolha errada para uma liderança partidária. Mas, como disse, sempre a ouvi e vi a assumir uma luta algo desacompanhada pela Cultura sem que isso lhe calasse a voz sobre outros assuntos – aos quais sei que não é desatenta e perante os quais não está impreparada.
Entre outros assuntos, para se escudar a comentar a trapalhada da candidatura do Alegre. Mas simpática Catarina à parte, onde fica a discussão de projecto se tudo vai girar à volta do nome? É tudo demasiado tolo, sobretudo porque quem é hoje lÃder não vai deixar de o ser amanhã.
Entre outros assuntos que não mencionas e que não descortino, não comentar a candidatura do Alegre parece-me argumento curto para desvalorizar as suas capacidades enquanto eventual lÃder. E é só disso que temos estado a falar. Já é outro assunto, no qual concordo absolutamente contigo, a preponderância que a discussão de um projecto devia ter face a uma discussão sobre nomes. Mas verdade seja dita que é a estrutura de organização politicamente correcta e algo hipócrita do BE que leva a isso. Porque não há cá lÃderes, há coordenadores de um projecto proposto por todos, mas se calhar até há lÃderes, e estes até deviam ter previamente proposto um projecto apoiado por “todos”.
Sobre Alegre e sobre tudo o resto. Não são conhecidas intervenções da Catarina Martins fora do campo da cultura. A questão é que está na berlinda não pelas suas intervenções sobre a Cultura, mas pelo facto de ser mulher e de não questionar, por não querer ou não saber, as decisões de quem vai continuar a mandar.
De resto, percebeste precisamente a natureza da crÃtica que aqui faço. De que servirá a estes ou a qualquer outros porta-vozes se nada do que foi de errado dá sinais de vir a mudar? Um dos que mais aproximou o BE do PS – Semedo – teve o beneplácito do grande lÃder – e não consta que se consiga fazer milagres – na cultura sobretudo – se o pouco dinheiro que ainda temos continuar a ser usado para pagar, de forma mais “macia”, “decente” e “humana”, a dÃvida da banca.
Aqui, uma vez mais, nem debate, nem novos caminhos.
Eu a simpática Catarina só a conheço de um episodio passado no Porto, em que a deputada caiu de paraquedas no bairro da Fontinha tentando captar sobre si toda a atenção mediática presente no local, sobrepondo-se a todos os moradores e activistas lá concentrados. Foi rapidamente posta no seu lugar pelos presentes e rapidamente abandonou a zona seguida pelos seus amigos do partido.
Mais do mesmo portanto.
Bem, esse desconhecimento diz mais de ti do que da Catarina Martins, que muito antes de ser deputada já era uma cidadã e artista particularmente interveniente, principalmente no Porto. Como deputada eleita pelo Porto, não fez mais do que a sua obrigação na Fontinha, sendo apenas natural (e uma vantagem para a causa) que tenha captado mais atenção mediática do que outros presentes. Mas quando o pessoal começa gratuitamente, preconceituosamente, a praticar tiro ao alvo, é-se sempre preso por ter cão e por não ter, não é?
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