A melhor homenagem que podemos prestar quando morre um camarada é a de pegar na sua bandeira e não deixar que caia. Hoje, a luta que travamos, e à qual o Pedro Ramos de Almeida dedicou parte importante da sua vida, perde um histórico combatente. Activista estudantil, lutador antifascista, antigo dirigente do Partido Comunista Português, o qual representou na Frente Patriótica de Libertação Nacional, foi também responsável, a partir de Argel, pela emissora clandestina Voz da Liberdade. Havia sido encarcerado, em 1954, sujeito à violência fascista e à tortura do sono. Entre 1969 e 1971, esteve à frente do Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa do PCP. Durante a revolução de Abril, o Pedro Ramos de Almeida foi um destacado dirigente do MDP/CDE. Actualmente, para além de militante do PCP, dedicava-se à escrita e preparava um livro sobre o MUD Juvenil.
O Pedro Ramos de Almeida era também pai de João Ramos de Almeida e de Nuno Ramos de Almeida, o nosso camarada de blogue. Creio poder dar aos dois, e à restante famÃlia, em nome de todos os que aqui escrevem o nosso mais forte abraço e a certeza de que os tempos que vivemos serão o campo de batalha onde nos veremos confrontados a entregar todo o nosso empenho para que a participação do Pedro e de muitos outros na luta contra o capitalismo não tenha sido em vão.
Até sempre.
O velório decorre na Igreja de S. João de Deus, na Praça de Londres, em Lisboa e amanhã o corpo será cremado às 17:00 no cemitério do Alto de S. João.
(…) Pela noitinha, de novo vendadas, fomos as três reconduzidas ao local perto da Adraga, onde de madrugada tÃnhamos deixado o calhambeque. A MarÃlia, a LuÃsa e eu constituÃamos um «organismo» da CDE controlado pelo Pedro. Levámos o amigo a um local próximo (…) e regressámos a Lisboa, rindo irresponsavelmente do facto daquele desgraçado automóvel travar apenas quando queria. Durante a viagem viemos a comentar os riscos que os funcionários clandestinos corriam permanentemente. Sentada atrás, enquanto elas, à frente, falavam já de outras coisas, eu ia recordando em silêncio um terrÃvel dia de tempestade, meses antes.
Também para aqueles lados, eu estivera com «ele» e com a Ana num automóvel alugado por ela para o efeito. Metemo-nos por um atalho para podermos reunir em zona protegida dos olhares. De repente, começou a chover torrencialmente. Decidimos partir, que a situação trazia vulnerabilidades conspirativas. Atolámos o carro de uma tal forma, que eu e «ele» tivemos que ir pôr pedras sob as rodas e empurrá-lo, enquanto a Ana conduzia, o que durou um bom pedaço de tempo. Finalmente conseguimos sair do rio de lama. Já dentro do carro, os três exaustos, puxámos de um cigarro, respirámos fundo e repousámos em silêncio. Por breves segundos. Foi então que as duas reparámos: a tinta com que «ele», habitualmente, transformava o seu prematuro cabelo branco em castanho, escorria-lhe pela testa (tintas ordinárias de drogaria, para não gastar muito…).
Sentado atrás, continuou aparentemente muito calmo, quando nós, aterradas, lhe comunicámos como estava. Só disse: «Não me larguem no local onde me apanharam, segue em frente, vira à direita, anda, anda. Deixem-me no princÃpio da rua».
Cumpriu-se a sua indicação. A tempestade aumentava de minuto a minuto. Arrancámos e eu vi-o a correr debaixo das bátegas pesadas, colado ao muro. A Ana comentou: «O amigo vai ficar completamente branco!»
Helena Pato
Um grande e sentido abraço ao Nuno e ao João.
Bruno,
Morreu o Saraiva e foi o que se viu.
Morreu Pedro Ramos de Almeida e Helena Cidade Moura a mentora da grande campanha de alfabetização levada a cabo em Portugal, no pós-25 de Abril. Cidade Moura, que lutou pela liberdade, acompanhou mais de 400 cursos de alfabetização e tornou-se um sÃmbolo desse trabalho de enorme importância social. E ninguem dá por isso
Porra que é demais
Abraços
Naturalmente que já deixei aqui – em http://otempodascerejas2.blogspot.com – na barra lateral direita, as minhas pobres palavras sobre a morte do Pedro Ramos de Almeida. Só venho aqui e agora pedir ao Bruno que retire, por inexacta, a referência a que o Pedro « foi um dos presos polÃticos que, em 1961, se evadiu do Forte de Peniche.»
Obrigado pela correcção. Fui induzido em erro pela comunicação social.
Até sempte!
Pena que o 5 Dias não se tenha lembrado de Helena Cidade Moura.
até sempre camarada
Caro Bruno, também na minha famÃlia se sentiu na pele a noite escura. Recordo com emoção a descrição que minha avó fazia das suas visitas “à casa de férias”. De braço dado a três crianças, amparada pela famÃlia e pela consciência de um futuro melhor e menos penoso deslocava-se frequentemente de uma terra-menor no interior para visitar o meu avô que estava no “hotel de caxias”.
Sindicalista e homem de famÃlia foi separado dos seus pela mão da ditadura fascista. Durante longos meses, meu pai e tios viram o seu pai retido e violentado. Imaginamos nós – hoje no conforto da nossa vida mundana – a violência de ser preso polÃtico. De se ser separado da famÃlia, dos filhos pequenos, em nome das convicções?
A sua bandeira foi efetivamente segurada pela geração seguinte, que fez o 25 de Abril. Meu pai e seus irmão estiveram muitas vezes na linha da frente desta batalha, arriscando também eles o seu bem estar. Não saber quem está a bater à porta? Sentar-se num local público sempre virado para a porta para ver quem entra? ResquÃcios de uma vida que muitos hoje ignoram.
Hoje quem lhe escreve é já a 3ª geração desta famÃlia.
Aqui reside um orgulho enorme deste passado. Da coragem destes homens e mulheres que nos indicaram o caminho. Que lutaram quando o risco era maior e que, no final, nos ensinaram que a vida poderia ser diferente.
A eles um grande obrigado. A sua memória nos acompanhará.
Para nós uma grande responsabilidade. Peguemos nós onde eles deixaram. Vamos à luta que a vitória é certa!
Um abraço sentido e solidário à famÃlia.
Até sempre, camarada!
Grande abraço ao Nuno.
O que eu acho estranho foi o velório ter sido numa Igreja.Penso que Pedro não seria católico.
Bruno, não tinha ficado mal uma referênciazita a quem pertence o texto em itálico…Não costumo reparar neste tipo de coisa, mas já que se deu ao cuidado de mo perguntar, ao vê-lo no meu mural do facebook…Um abraço
Helena
E? (Pronto não faz mal!)
Sabe, por acaso, porque razão o post sobre a morte do Pedro desapareceu do Tempo das Cerejas, logo no dia seguinte à publicação?
Helena
De facto, Helena. Copiei o texto antes de saber a autoria e não corrigi logo que soube. Entretanto, esta semana estive fora. Peço desculpa pelo atraso.
Desculpadoooo! – estava quase para deixar de ser leitora atenta do Cinco dias:) Um abraço