As redes sociais multiplicam-se em lamentos de portugueses que acham que isto «em Espanha é que é». Se todos os que se queixam tivessem saÃdo à s ruas em Portugal nas últimas manifestações isto «em Portugal também era», diria eu.
Os povos não têm uma alma polÃtica. Os historiadores sabem-no: foram tão cobardes, feios, tristes e vestidos de preto os portugueses a 24 de Abril de 1974 quanto foram alegres, corajosos e felizes um dia depois, a 25 de Abril. Uma semana antes do Maio de 68 a capa do Le Monde era «A França aborrece-se». Antes da Duma cair, à s mãos do povo, a czarina russa tomava chá e achava o dia particularmente «agradável»
Marx tinha uma teoria das revoluções. Uma revolução precisa de uma crise na burguesia (dada em primeiro lugar mas não só pela crise económica); uma crise polÃtica (ou seja, entrada das massas na arena polÃtica); e a atracção dos sectores médios pelas ideias e propostas dos trabalhadores. Numa frase, de Lenine, «os de cima já não podem, os de baixo já não querem». Ou seja, pode haver crise económica e não haver crise polÃtica (se a burguesia consegue impor medidas anti cÃclicas sem resposta dos trabalhadores) e pode haver uma crise polÃtica sem crise económica (a queda de um Governo, um escândalo de corrupção). As duas juntas são o gatilho das revoluções sociais. A Europa vive uma crise económica, mas, tirando a Grécia, os protestos não configuram uma crise polÃtica, creio.
A Espanha ainda vive hoje sobre a memória mÃtica de um rei unificador, que age «acima» das classes sociais, um bonaparte que consegue equilibrar os trabalhadores e as facções da burguesia que lutam pelo seu quinhão, e cuja expressão mais clara é o nacionalismo de direita basco e catalão (o nacionalismo de esquerda fica para outras conversas). Tenta-se apagar, com muito golfe e princesas, que este rei, Juan Carlos, é o homem escolhido por Franco para seu sucessor e jurou, ele mesmo, Juan Carlos, fidelidade aos princÃpios do Movimento Nacional, o Partido de Franco.
Para avivar a memória dos mais novos, Franco era o homem que, enquanto ia para o trabalho, no meio das conversas com o motorista, assinava as execuções sumárias polÃticas. Quem quiser entrar na casa de horrores do Franquismo leia a extraordinária biografia de Paul Preston, Franco, onde ele conta, por exemplo, que um dos generais de Franco avançava sobre a Catalunha muito lentamente, e quando lhe perguntaram porquê, ele respondeu, cito de memória: «Tem que ser devagar porque tenho que matar todos os dirigentes anarquistas. O anarquismo está enraizado em Espanha!».
Ontem, aqui perdida no arquivo das CCOO, em Madrid, encontrei um comunicado enviado pelas CCOO à nossa Intersindical, escrita em Outubro de 1975, onde se lê: «o Governo franquista (com o visto de Juan Carlos) decretou uma nova lei que permitiu o assassinato de 5 jovens antifascistas» (serão os últimos garroteados por Franco e que levaram à destruição da embaixada espanhola em Lisboa pela extrema-esquerda em Setembro de 1975).  Morto Franco, a 20 de Novembro de 1975, começam as verdadeiras negociações para a «transição pacÃfica» e logo depois chega uma nova carta das CCOO à Intersindical, pedindo que não se divulgue o comunicado anterior porque «a situação tinha mudado».
Juan Carlos, veio daqui, não veio de Ãfrica a caçar elefantes. Em 1978, em Moncloa, quer o PCE quer o PSOE aceitam Juan Carlos como chefe de Estado e fazem tábua-rasa do passado. Nascia o Pacto Social em Espanha, o mesmo que agora tem o seu canto de cisne. A então CEE iniciava conversações de entrada deste paÃs no mercado europeu. Os Pactos de Moncloa vão fazer surgir várias rupturas dentro do PCE e por consequência dentro das CCOO (a central sindical maioritariamente influenciada pelo PCE) – surgindo assim algumas centrais alternativas e crÃticas do Pacto Social, como a CSI-Asturias, entre outras, que configuram ainda hoje um sindicalismo combativo. A Espanha é hoje uma sociedade mais disruptiva que a portuguesa porque tem uma burguesia mais dividida, é um paÃs menos homogéneo e porque tem uma multiplicidade de sindicatos e organizações que têm um efeito de arrastamento de uns sobre os outros. Em Espanha de facto, creio, estamos mais perto de algo como «os de cima já não podem e os de baixo já não querem».
Mas este feito de arrastamento também existe ao nÃvel das sociedades como um todo, especialmente vizinhas. Começou na TunÃsia a Primavera Ãrabe, que contagiou todo o norte de Ãfrica e Médio Oriente; ninguém dúvida de que os espanhóis viram as imagens da Geração à Rasca com o mesmo entusiasmo e confiança que ontem os portugueses viram as imagens da Porta do Sol. A história está nos arquivos, o futuro está por fazer.
Eu, que sei bem o que é a Monarquia, não sobrevalorizo Juan Carlos como a Raquel o faz. Juan Carlos só fica porque já lá está, mas a sua utilidade há muito que terminou. Nem sequer já é elemento unificador, porque catalães e bascos não querem saber dele para nada. A grande utilidade da Monarquia é ter uma figura institucional que não depende do poder económico e que não é por ele corruptivel, e que pode portanto ser um factor de equilÃbrio e de justiça se souber aliar-se ao povo contra a oligarquia. Juan Carlos andou perto disso quando contrariou o golpe militar neo-franquista. Mas foi só aÃ, e deve ter sido quase sem querer… Hoje esse Rei pouco mais é que um bibelot, uma figura algo embaraçosa que já nada consegue influenciar, nem para bem nem para mal. Se morrer depressa talvez o filho possa devolver algum prestÃgio à instituição, mas teria de fazer uma opção entre os que tudo têm e os que quase nada têm, colocando a sua influência ao serviço do povo que trabalha e não da oligarquia que oprime. Não tenho a certeza de que o queira, possa ou saiba fazer.
mas ó Raquel sair à rua nas manifestações controladas pelo pcp não é?
Eu vou a todas as manifestações de esquerda. Os outros não sei…
e amanha podem fazer as maiores manifestações de sempre em espanha e domingo podem fazer eleições que o pp ganha outra vez com maioria absoluta. custa-me ver como nós, de esquerda, estamos tão longe da realidade.
Descobri hoje que não sou de esquerda nem poderei ir às manifestações, pois, tal como todos os trabalhadores que vêm a levar porrada atrás de porrada, não fui ainda para a praia e, como tal, correrei o risco de contrair cancro de pele, ou, na pior das hipóteses, fazer-me ouvir por essa corja de politicos corruptos e clubistas (paz à almas de D. Januário). Mas só depois da praia, que é uma chatice estar anos no desemprego e logo agora que o sol aparece, ainda temos de ir prá luta.
Não se esqueçam de pedir recibo pela bola de berlim.