HELENA ALMEIDA. Foto. 2010.
Recordo o tÃtulo do meu extenso post aqui publicado, no 5dias (2009): “HELENA ALMEIDA, a obra fotográfica e os seus desenhos: um cÃrculo fechado e perfeitoâ€. Muito bem, retome o leitor esse texto, pois há aqui continuidade e suplemento.
Vinha ele na sequência da exposição-livro “Caderno de Campoâ€, 2006, mostrada na Galeria Filomena Soares e no MEIAC de Badajoz. O “cÃrculo fechado e perfeito†dizia respeito à primeira vez (relevando ao mesmo tempo um procedimento) que Helena Almeida mostrava exaustivamente a sua produção desenhÃstica. Não me referia, nesse post ou neste presente texto, somente ao facto de uma faceta menos divulgada da autora passar a estar aqui a descoberto. Não, o “cÃrculo fechado e perfeito†significava a forma da articulação entre o desenho e a foto-pintura da autora. Por um lado, o desenho da autora é informativo, minuciosamente informativo: aponta para poses e situações que a autora faz (faz-se) fotografar com a exactidão de uma cópia (do desenho). Executado o desenho fotograficamente ele torna-se, depois, uma parte de um arquivo. No seu conjunto, revelado o arquivo (desde os anos 70), estamos perante obras autónomas do factor informativo inicial (para a autora ou para o “homem da câmaraâ€), uma narrativa corporal, uma história do corpo mais do que da obra fotográfica “finalâ€. Retroactivamente, a fotografia vivifica o desenho que lhe é anterior, como se a fotografia tivesse surgido primeiro. Ou seja, parece-me que o desenho começa a ter um sentido peculiar depois de vista a fotografia.
A fotografia da autora, em sÃntese, está ligada à pintura, a uma sua arquelogia ou inventariação de processos pictóricos: a autora vivifica, tridimensionaliza, põe no espaço os elementos estruturais da linguagem plástica (ponto, linha, cor). E é aqui que entra o corpo da artista: é o seu corpo que manieta no espaço estes elementos: “engole†manchas de cores como se de seres vivos se tratassem, brinca com linhas no espaço, em suma, estas fotografias são também (ou sobretudo) performances.
Tudo isto vem a propósito do excepcional vÃdeo (sem tÃtulo, 2010) que é mostrado nesta exposição “Voo do Bumerangueâ€. É importante mencionar que este vÃdeo prolonga uma série fotográfica o ano passado mostrada em Paris (também s / tÃtulo).
E é importante sublinhar que a foto, ou as fotos, sinalizam uma acção na sua sucessão, mas não podem como o vÃdeo assinalar um contÃnuo real-temporal. Volto ao tÃtulo do meu post anterior, de 2009: um “cÃrculo fechado e perfeitoâ€. Ora tal fechamento, como se de uma cúpula se tratasse, só se dá com a junção dos vÃdeos à s fotografias e aos desenhos, vejo-o eu agora (pois não basta a pintura e o desenho). E a autora em várias décadas de trabalho, apenas expôs três vÃdeos (o que significa CRITÉRIO): de 1979, “Ouve-meâ€; de 2001/02, momentos preparativos (como que desenhos) da série “Seduzirâ€; e agora este vÃdeo sem tÃtulo.
Fecha-se a abóbada desta obra não porque estejam agora presentes todos os seus meios: desenho, fotografia, pintura, vÃdeo. Não é só por isso. É antes porque se fica a perceber melhor qual a função de cada meio e o seu lugar: o desenho liga-se à fotografia, o vÃdeo ao corpo e à vida da autora; o desenho como que “biografa†a fotografia, o vÃdeo biografa corpo e vida da artista Helena Almeida. No vÃdeo da série “Seduzirâ€, vemos um corpo em trabalho, posicionamento, esforço. Logo, ele é “biografado†na sua funcionalidade.
Neste vÃdeo do ano passado, a questão é outra: a obra é autobiográfica. Tudo neste vÃdeo causa assombro: o acto e o espaço fechado. Num enquadramento que apenas permite ver da(s) coxa(s) para baixo, a autora amarra com fio eléctrico a sua perna direita à perna esquerda do seu marido, o escultor Artur Rosa, no primeiro plano. Depois, vira-nos as costas e caminha, caminham, amarrados até à parede (em escassa profundidade e quase sem espaço); voltam à boca de cena e um pouco da amarra é solta; caminham outra vez para a parede, etc. Trabalho infinito, trabalho de amor, tanto mais infinito porquanto os corpos nunca se chegam a “libertar†um do outro. Porque não há fim para o princÃpio. Voltemos ao cÃrculo fechado e perfeito.