Primeiro pensei que estava a tapar a vista para um ângulo particularmente pitoresco e desviei-me, mas eles desviaram-se também e continuaram a disparar na minha direcção. Ser fotografada por adolescentes armados de telemóveis é uma experiência inédita nos meus 36 anos de carreira, e antes que me suba à cabeça (um dia de bom cabelo não explica o assédio impúbere), concluo que é a minha ocidentalidade que lhes parece fotogénica. A cena repete-se enquanto espero que a I. saia do hotel: um miúdo com idade para ser bastante mais novo que eu roça-me o braço, enquanto um comparsa aproveita para captar, en passant, um grande plano meu de perfil (definitivamente não o meu melhor lado). Os dois riem-se e eu rio-me também: diverte-me a ideia de milhões de indianos a fotografarem os turistas, o flash como arma de intervenção.
Vai-se a miudagem e chega a I. É tão bonita que me causa sempre um sobressalto, deve ver-se mal com os paparazzi indianos. “Odeio-os. Aqui não é tão mau como em Delhi, lá andava sempre de lenço na cabeça para ver se me deixavam em paz. É preciso ter lata para fotografar assim as pessoas sem pedir licença”. Estranho a severidade do julgamento, atenta a cena um dia antes num bazar de Calcutá, quando o vendedor de uma loja particularmente colorida se irritou com a Canon dela (“No pictures!”, lembras-te?). “Oh, mas eu sou turista, quero uma recordação da viagem. Eles fotografam à traição, não é nada a mesma coisa”. O pior é que é capaz de ter razão.
Nota do editor: Seguem-se mais três post(ais) da Ãndia, uns fora de prazo, outros com caruncho, todos recessos. Peço imensa desculpa: a actualidade segue dentro de momentos.
(Na imagem, a Gateway of India, de Michael Hughes, um globetrotter que fotografa monumentos substituindo-os por postais e souvenirs. Outros trompe l’oeil aqui ou no blogue do autor)
Pingback: Tweets that mention cinco dias » Gateway of India -- Topsy.com
Grande dica fotográfica. Já tinha ouvido falar do tipo e a ideia é definitivamente original. A foto que escolheste, e a de Loreley, são verdadeiros orgasmos semióticos. A comparação, é evidentemente um assédio impúbere, mas acima de tudo constitui uma manifestação de inveja pela viagem. Se houver mais ranço desse manda vir outra dose, que o vinho do Sócrates está a cair mal sem conduto.
Glad you liked it, somos pela educação das massas. Acho que a minha preferida é a do Abbey Road.