CrÃtico implacável do estalinismo, cujos métodos pudera ver ao vivo em Espanha, quando combatia contra Franco nas milÃcias do POUM, George Orwell recebeu, em Novembro de 1945, um convite para falar em defesa da liberdade num comÃcio organizado pela League of European Tribune, que sabia “dominada pela tendência anti-russa do Partido Conservador“, apesar de se apresentar como “aberta a todas as tendências polÃticas“, e de poder ocasionalmente reclamar-se de “um deputado trabalhista na tribuna“.
Eis a sua resposta ao convite, que aqui traduzo, uma vez que a movimentação em curso – “para além da esquerda e da direita” e aberta a “todos” –  visando o apoio a uma petição em defesa da “imprensa livre”  e a uma Manifestação da Liberdade, ma trouxe à memória.
Receio não poder tomar a palavra em defesa da League of European Freedom […] prefiro declarar sem rodeios que não estou de acordo com os objectivos fundamentais da League, tal como os entendo. […] É certo que os discursos proferidos nos vossos comÃcios são mais verÃdicos do que a propaganda mentirosa difundida pela maioria da imprensa, mas não posso associar-me a uma organização essencialmente conservadora que pretende defender a democracia na Europa, mas nada tem a objectar ao imperialismo britânico. Na minha opinião, não podemos denunciar os crimes hoje cometidos na Polónia, na Jugoslávia, etc., sem denunciar com a mesma insistência a dominação imposta à Ãndia pela Grã-Bretanha. Pertenço à esquerda e é no seu interior que tenho de trabalhar, por mais que odeie o totalitarismo russo e a sua influência deletéria sobre o nosso paÃs.
George ORWELL
Miguel,
O POUM pode ter sido exterminado, mas dificilmente viveria em perfume de santidade: o facto de Trotsky ter perdido a luta para Stalin, não torna os princÃpios ou os métodos que defendia mais macios. E o Orwell bem poderia dizer que os crimes do colonialismo eram maiores do que os do socialismo, é conhecido por denunciar os segundos e nada se sabe quanto à sua denúncia dos primeiros (aliás, bem podia dizer que era de esquerda, sempre deu muito jeito à direita, à que conta). Nã, Orwell não me convence mesmo nada.
AF
Orwell?! Castoriadis?! Guérin?!
Pegando nos vossos pressupostos – cuidado com as companhias, Carlos Jorge…
MSP, comparar um comÃcio a uma manifestação é como comparar um beijo na bochecha a um cunilingus. Há que concordar que são nÃveis de intimidade significativamente distintos…
Para quem se queixava da falta de honestidade intelectual do Tiago há uns posts atrás vejo enveredou por caminho pior. Bom regresso à elevação dialéctica que nos tem habituado.
é preciso não esquecer que Orwell era crÃtico do comunismo de Estaline (haveria possibilidades materiais à época de outro comunismo na URSS, uma ilha cercada pelo capitalismo das potências?) mas que sempre o fez pela Esquerda do PCUS, precisamente criticando-lhe a pouca ousadia revolucionária. Pelo não apoio declarado aos combatentes da Frente Popular (muito dominada por anarquistas). Distingamos as coisas: Orwell criticava a opção reformista de Estaline, não criticava a revolução russa (que deveria ter sido internacionalista e não nacionalista), cuja ajuda em armamento poderia ter levado a uma luta mais eficaz contra o apoio massivo da Alemanha e da Itália nazi-fascistas à s hordas franquistas.
António Figueira que glosa o prato dizendo que, (como “outros esquerdistas”), Orwell “sempre deu muito jeito à direita”. É um fast-vademecum de marca de origem de classe:
quando Allende chegou ao poder, no dia seguinte qualquer coisa parecida com um Instituto de Acção Social Católica em franca colaboração com a CIA começou de imediato a trabalhar na “ruina económica” para desacreditar o novo regime. Obviamente, a esquerda radical incentivava os Conselhos de Camponeses a tomar posse das herdades e os Conselhos de Operários a tomar as fábricas, o que lá foram conseguindo fazer até certo ponto. Tipos “neutros” como A.Figueira poderiam esperar por eleições democráticas para se “avaliar da satisfação dos eleitores” (para utilizar a terminologia burguesa). Mas não o fizeram. Fica claro que aquilo que aconteceu foi “por culpa do radicalismo da esquerda”
Caro Miguel Serras Pereira
O exemplo que dá é muito bom; ajudou-me pelo menos a compreender melhor a sua posição e deixou-me sem saber o que dizer. Gosto muito de Orwell e do que ele representa. Os meus autores de esquerda foram quase exclusivamente tipos como ele e Bernard Crick, Perry Anderson ou Hobshawn. É uma questão de sanidade – e de insularidade também, suponho.
AV
António,
o Orwell denunciou ao longo dos anos, repetidamente, os métodos coloniais; denunciou o fascismo até ao fim da vida; etc. Acontece que a parte da sua obra que criticava os regimes como os que existiam na URSS foi a única que interessou à s oligarquias ocidentais pôr em relevo (e, de resto, distorcer sem escrúpulos). Assim a sua defesa da constituição de milÃcias que pusessem as armas “nas mãos dos trabalhadores”, alargando e redefinindo os “corpos civis” de voluntários formados durante a guerra; o seu igualitarismo radical; a sua aposta no desenvolvimento das capacidades polÃticas do “cidadão comum”, etc., etc., foram, juntamente com os seus textos sobre a Guerra Civil de Espanha, recalcados ou menorizados pela recepção do establishment.
Mas esta discussão terá de ficar para outra altura.
msp
Sobre o comentário de Aniceto Azevedo
não faço a menor ideia do que quer dizer o arrazoado deste comentarista.
Alguém saberá explicar-me?
msp
Caro António Viana,
Bernard Crick é também um dos meus autores de estimação! Tenho um enorme respeito intelectual por Hobsbawm, e gostei muito de traduzir os seus Tempos Interessantes. Mas, apesar de tudo, o “meu” grande historiador britânico dessa geração é E. P. Thompson – e o Crhistopher Hill “tardio” quando escreve sobre a Gloriosa Revolução.
Olhe, ainda bem que a história vem à baila. Penso que ter-me lembrado hoje do texto do Orwell dá razão à quela frase do Walter Benjamin quando diz que o melhor que a história pode fazer é construir uma memória do passado que seja “como uma recordação tal como cintila no momento de um perigo”.
Cordialmente
msp
Não sou um “comentarista”. Nem tenho tais ambições, sequer.
Vivo retirado no meio de livros, familiares e amigos, num concelho rural a nordeste de Lisboa, perto do mar. A escola tem uma óptima biblioteca, muito completa. Tem bons livros, em várias lÃnguas, e volumes e volumes de infâmias, também. Infâmias, de resto, muito instrutivas.
Qualquer “cidadão comum”, daqueles em quem Orwell “apostava” para “desenvolver as suas capacidades polÃticas”, conhece bem o Carlos Jorge. E as companhias respectivas. E o Orwell, e o Castoriadis, e o Guérin, e os “anti-social-fascistas”, e os novembristas de todos os matizes.
Alguém saberá explicar-lhe?
Renato,
o despropósito é grande e você costuma acertar mais quando não se arma em engraçado ou autor de revista. Já discutimos seriamente noutras alturas, e com proveito mútuo – suponho que, se quer falar comigo, será capaz de o fazer decentemente.
Eu não me queixei do TMS – lamentei que alguém, de quem discordei regularmente, mas que me habituei a ler com atenção e a ver interessado em esclarecer as coisas sobre as quais importa discutir, tivesse optado por outro registo.
Já disse várias vezes que não penso que os democratas que dizem apoiar a “Manifestação da Liberdade” para defender a liberdade de expressão estejam a tentar enganar-nos ou a renegar-se. O que sustento e continuo a sustentar é que creio que estão enganados e a cometer um erro polÃtico grave.
Como acabo de escrever esta tarde na caixa do post do António Figueira sobre os Cátaros: “Dito isto, a “defesa da liberdade de expressão†do Apelo é inconsequente e inconsistente. O mÃnimo seria dizer, por exemplo, que Sócrates tentou controlar a imprensa ATRAVÉS DO PODER ECONÓMICO e num QUADRO DE CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NAS MÃOS DOS GRANDES GRUPOS ECONÓMICOS, QUE ASSIM EXERCEM UM PODER POLÃTICO NÃO DECLARADO E DEMOCRATICAMENTE ILEGÃTIMO. Não vou multiplicar os exemplos. Acrescento tão-só que a identidade polÃtica dos promotores de uma manifestação, pois não estamos diante de um levantamento anónimo e espontâneo, deve pesar seriamente na decisão que tomamos de a integrar ou não. Sobre isso, já me expliquei repetidamente (por exemplo, nas últimas respostas ao Nuno nas caixas de comentários deste e de outros posts, como o do Ricardo Noronha)”.
Espero que possamos continuar a discutir
Saudações democráticas
msp
Aos leitores de Aniceto Azevedo
Eu nunca usei – a não citando-o como exemplo a não seguir – o famigerado termo “social-fascismo” que o comentarista em epÃgrafe me atribui.
Quanto ao resto do comentário, nada tenho a dizer. Não respondo a insinuações nem falo por enigmas.
msp
Saia uma petição para que os escribas do 5dias deixem de atirar os baldes de dejectos para a viela e se dediquem ao que bem sabem fazer e nos traz aqui: debate polÃtico substancial.
Podemos continuar, obviamente. Acho-o particularmente fraterno a debater e não estava a colocar isso em causa. A piadola cunilingus era para deixar claro (de facto num tom de revista) que não é comparável um comÃcio de uma organização de ultra direita com uma manifestação contra o Sócrates, onde a esquerda só não está mais representada por escolha própria.
Os eixos que propõe são muito mais interessantes do que os propostos pelos organizadores, mas a abstinência da esquerda não ajuda a que esses eixos lá estivessem.
No mesmo sentido a dicotomia entre liberdade e igualdade que o Zé Neves fala e com a qual concordo (embora não me imobilize).
Não há chamados perfeitos mas as esquerdas poderiam ter influenciado mais do que fizeram.
Saudações, RT.