ANDRES SERRANO. Heaven and Hell. 1984.
Não, não intento desenvolver muito este tema do ateÃsmo, da arte, do misticismo sem religião, do que eu chamo “ateÃsmo mÃstico†e “ateÃsmo secoâ€, do sagrado e da blasfémia, não o intentarei pois isto é um tema quase infinito, impossÃvel num blogue e mesmo num livro (apesar da excelente tentativa de António Vieira, recentemente, no seu Improvisações sobre a ideia de Deus, & etc, 2005). É um tema onde se teria de falar de “estremecimento das essências†(na belÃssima expressão de Husserl), das fascinantes profecias de Abdul Varetti vindas de uma extraordinária obra plástica de Ãlvaro Lapa (“As religiões serão desconsideradas. A experiência mÃstica será reconhecida e um facto comunicávelâ€; ou: “Os deuses, adormecidos, vão recuperar a atenção do homem livre. A curiosidade e a crença florirão.â€; e ainda: “A experiência interior será transmitida, ‘ensinada’, musicalmenteâ€; musicalmente, muito bem, e nunca cientificamente!!, grande Lapa), onde terÃamos ainda de falar de adoração, veneração, subjectividade radical, blasfémia livre ou agressão ao sagrado ou ao seu sentido. Tema infinito e indefinido.
Não vou falar disto mas do que eu chamo “ateÃsmo secoâ€, impotência estúpida e elogio da ignorância insensÃvel e sem sentido, sem sentido nem para a arte, para o sagrado, nem para a blasfémia. Ora imagine o leitor. Sim, imagine o leitor um mundo sem sagrado (ou sentido do sagrado entendido mesmo por não “crentesâ€), imagine um mundo onde a religião desapareceu, tal como a blasfémia livre (que se relaciona com o sagrado!), um mundo sem Homero, HesÃodo, sem Antigo Testamento (e, pensando na literatura portuguesa, um mundo sem Gabriela Llansol), um mundo seco de cientistas e meros divulgadores como Richard Dawkins ou Chistopher Hitchens, assessorados por uma Palmira-Jugular em cada esquina. Imagine um mundo povoado apenas por Palmiras, onde em cada esquina há um laboratório (de uma merda qualquer, pode ser quÃmica), um laboratório onde o leitor é informado rigorosamente sobre o que deve e não deve (pode e não pode) acreditar, onde a sua decisão fundada na mais radical e absoluta subjectividade é proibida, precisamente pelas Palmiras, uma em cada esquina e seria essa a única paisagem (safa!) que ao leitor seria permitido habitar: leitor, só Palmiras, e “mestres†como Hitchens e Dawkins para quem o sagrado deveria desaparecer em nome de um mundo melhor. Imagine, uma Palmira em cada esquina!! Gosta, leitor??
Contribuindo (modestamente) para que esse mundo nunca exista eu cunhei, mais ou menos a brincar, mais ou menos a sério, o termo “ateÃsmo mÃsticoâ€, que, por curiosidade, ontem um leitor interessado aqui do 5dias me disse ser uma expressão impossÃvel. Ou uma coisa ou outra. Não, eu quero as duas, e expliquei ao leitor:
BARNETT NEWMAN. As Estações da Cruz, Lema Sabachthani (Primeira Estação). 1958-66.
Â
LUIS BUÑUEL. Simón del Desierto. 1965 (média-metragem).
Morte pois ao “ateÃsmo secoâ€, viva a blasfémia!
Ou você, leitor, quer comparar Dawkins a Buñuel e Rothko?
Um é nada de nada (publicou 1 livro importante), o outro é tudo (a hipótese do “tudoâ€, como crença, liberdade e blasfémia: JOGO DA VIDA!!).»
[ MARK ]Â ROTHKO CHAPEL (Houston). 1971.
Convenhamos que a ciência, desde Galileu, tem sido o mais radical e efectivo agente de desmitificação moderna. Para os não ressabiados é absolutamente bom que Deus tenha morrido. O facto de esta ter sido acompanhada pela crescente hegemonia do cinismo e niilismo capitalista é outra história.
A ciência, a arte, o amor e a polÃtica: os/as quatro em conjunto, sff.
Que nojo de post.
Vai lá lamber as botas ao Senhor Bispo.
Pequeno homenzinho, não viu nem leu.
Texto Brilhante, pior só mesmo um mundo com Fernandas e Isabelinhas por todo o canto.
CarÃssimo Vidal –
Sublime, perfeito, absolutamente sem mais, e sem menos, “ateÃsmo seco”, a previsão da soberba e a criação do mundo abominavelmente vazio…tão vazio que nem vazio é, será(!!??), logicamente estéril e surdo, preenchido de hipocloritos e pesado como chumbo, puro chumbo!!!
A blasfémia, sem dúvida a prova provada da criação divina (certamente ) e da transcendencia da alma humana…
Tanto mundo Vidal!! Tanto, e em tão poucas palavras!!
Sem mais!!
Deixa-me recomendar-te um conselho de um grande mÃstico, Carlos Vidal:
Las condiciones del pájaro solitario son cinco.
La primera, que se va a lo más alto;
la segunda, que no sufre compañÃa, aunque sea de su naturaleza;
la tercera, que pone el pico al aire;
la cuarta, que no tiene determinado color;
la quinta, que canta suavemente.
(Juan de la Cruz: Dichos de Luz y Amor)
O que ao mundo nunca faltou, são mÃsticos prosélitos, ateus ou não. Milhões de mortos são testemunhas.
E para quem é esse conselho ou recomendação, caro Lutz?
Este é apenas um simples post sobre algumas condições da produção artÃstica, de Bach a Luis Buñuel, como é bem de ver (ler).
E eu pensei que era sobre a Palmira! E sobre os Dawkins e Hitchens. Sobre a sua exigência de um discurso polÃtico baseado na razão. Mas confesso que apenas conheço parte das suas obras: a sua manifesta incompreensão de Bach e Bunuel escapou-me.
e estava a ir tão bem, até com a educação pela música e tudo, e eis senão quando a costela neo-vanguardista se revela epifanica em exemplaridade bacoca, mais a escrita em escopeta e lá deitas tudo a perder por vias do objecto do ódio, não tens mesmo pinga de Deus, raio de danado ressequido do vale catalá de tenes, torrequemada sem remissão, tenta de novo mas em grande, com o ás de espadas, está quase quase sublime, talvez com uns póses de Kantor a coisa vá .
‘A ciência, a arte, o amor e a polÃtica’. Talvez, de acordo com a ontologia de Badiou. Mas, de um ponto de vista mais empÃrico, o amor e a arte têm vivido entre a promessa de emancipação e o mais puro reaccionarismo. Quanto à arte moderna: ou é o mais puro embuste reaccionário e mistificador da experiência subjectiva e do acesso ao transcendente, ou coisa que o valha, ou é verdadeiramente uma força que destrói o estatuto religioso da imagem, a ‘essência’ mÃstica da experiência subjectiva, a doxa imagética e outros mundos mÃstico-burgueses ou avanço-capitalistas.
Confesso que estava a adorar ler o seu texto, Carlos Vidigal, até ao fim do primeiro parágrafo, mas depois fiquei abismado, pla forma, enfim “seca”, como se refere ao suposto ateÃsmo, ele também seco, e pela forma como minimiza e relativiza estas questões.
Vou dar-lhe então a minha opinião pessoal. Obviamente que o sagrado existe, nem consigo conceber um mundo sem a ideia do sagrado e do profano…mas creio que se engana redondamente ao eleger a ideia do sagrado como o adversário do ateismo, até porque não existem adversários….Chama secos a quem não reconhece deus como deus, quem não lhe atribui qualquer significado que não o meramente histórico, ou aquilo que ele representa, enquanto ideia que é (para mim está mais do que claro que deus e toda a circunstância do divino existem, no ambito meramente das ideias, são o produto, complexo, de uma intensa actividade neuronal, que foi surgindo, à medida que o Homem se cerebralizou). Creio por isso que deus, ou melhor, a ideia de deus, é fruto necessário da evolução dos sistemas nervosos ditos superiores. de reparar que, aparentemente, todo o ser vivo dotado de sistemas neuronais menos complexos, aparentemente, não tem a ideia desta coisa que é o divino. O que me custa perceber, carlos, e isso não entendo mesmo, é como se apelida de “seca”, uma visão do mundo que se pretende descolada das ideias do divino, que a par da ideia da existência de deus, pretende uma naturalização dos fenómenos, uma explicação que, ela propria, surge e se submete ao rigoroso crivo da prova. Este descolamento do divino, não é um atentato ao divino, per si, em minha opinião, e essa acho que que foi a falácia que cometeu.O que se pretende é o afastamento das visões puramente “esfumadas”, puramente acentes em ideias, sucessões de ideias, encadeadas e que foram passadas ao longo de milénios, passadas, alteradas, radicalmente alteradas ao longo da história,ideias plasmadas em livros “sagrados” que não são mais do que importantÃssimas obras de literatura e romance… ideias essas que pariram, na actualidade, um deus novo. O deus de hoje, não é o deus de ontem, nem o deus de há 3000anos…o deus de hoje, que lhe dão a conhecer, ou pretendem dar, foi construido,e sabe bem o carlos onde. A ideia do divino, o divino que todos os dias se lhe apresenta, é um divino construido, é um divino seleccionado, é um divino “comercial”. esta ideia de deus, e deus, ele próprio, não poderiam estar mais longe um do outro. E creio que a falacia aqui, desta vez não sua, mas do ” todo social religioso”, é que não reconhecemos a diferença, nem distinguimos aquilo que é o divino, enquanto matéria prima, e a sua ideia, sobre a qual nos regemos e a partir da qual pretendemos, levianamente, apelidar de “seco” todos aqueles e aquelas que vêm nisto, exactamente o que é, uma ideia concebida, arquitectada, com propósitos que enfim, desconheço.
As palmiras, caro carlos, são absolutamente necessárias. As palmiras, carlos, não são “secas” ,pelo contrário, apresentam-se ao mundo por via da prova,correndo o risco de, pela prova, se molharem… e isto, este risco que todos os dias a ciencia corre (o risco da molha) é produto do seu próprio rigor. A ciência é rigor e exige rigor a tudo o que ela própria produz. A ciencia é mãe e madrasta de si própria…ao contrário, muito pelo contrário, as ideias do divino, essas sim, são “secas”, pois que não se molham nem fazem ideia do que isso é, pois que lá permanecem, no campo das ideias, longe de tudo e de todos, descoladas, á parte do mundo, apresentando-se como ideias e não necessitanto de prova, nem de explicação nem de compreensão…elas necessitam somente que nos calemos perante elas. E isto Carlos Vidigal, é a verdadeira secura.
PS. declaração de interesses: sou ateu e homem da ciência e tenho a mais plena convicção acerca do que são as ideias de deus,a noção/ideia do divino, a noção/ideia do sagrado e do profano, e a noção/ideia da religiosidade do ser humano. Tudo isto existe, não o nego…tudo isto são ideias. Fiquei abismado com esta sua frase :”um laboratório onde o leitor é informado rigorosamente sobre o que deve e não deve (pode e não pode) acreditar”…desconhece o que é, para que serve e sobretudo como se faz ciência. Tem a certeza que esta frase é dirigida à s “palmiras” como lhe chama?? É que ela parece-me a definição quase perfeita de tudo o resto, menos do “ateÃsmo seco”. Parece-me a definição major da religiosidade seca.
Mil desculpas Carlos, que é Vidal e não Vidigal.
Longe de mim contestar que a ideia de divino, de espaço e mundo sagrado, de aptidão para a sacralização de um lugar, venha dos sistemas nervosos superiores, longe de mim. Agora, a “ciência seca” rasura a arbitrariedade da subjectividade, que não se funda em nada, que não tem justificação. Eu costumo interessar-me pelo injustificável e disso fazer um mundo. As “palmiras” compreenderão isso no século XXX.
A prova e a refutação, nem sequer me forneceu a melhor definição/uso: pertence ainda a Popper: é cientÃfico um enunciado que expõe de antemão as condições da sua refutação.
Trabalhe por aà que eu vou por outro lado, sff.
Dispenso jornalistas, Hitchens, etc.
Milhares de anos antes desse coiso já toda a gente que podia lia HesÃodo e Homero e sabia porquê.
Hitchens, por enquanto passeia-se por colóquios para deslumbrar “palmiras”. Amanhã, não sei. Conhecerá ele Popper?? talvez sim.
Espero encontrá-lo na Sé a escutar um concerto com obras para orgão de Messiaen. Até lá.
Além disso, caro Nuno Ribeiro Ferreira, V. não me disse nada sobre a relação arte – sagrado – blasfémia (o tema que me propus tratar – que não foi só o “divino”: porque, divino, divino, era o Marquês, como saberá).
Vidal, a arte será sempre, quando arte, blasfémia…se não o for que se oculte, para que se não exponha a decadencia da criação, o comprazimento pela redonda mediocridade, pois tanto pior, será, sem dúvida, imperdoável pecado, profunda infamia ao sagrado livre arbÃtrio.
e ainda una rascacion prosélita, pero lo novedoso reside en que la acusación lanzada por Dostoievski era rechazada de plano por los ateos de su tiempo, que la consideraban injusta e injuriosa. Nosotros no somos delincuentes, decÃan esos venerables ateos, cuidamos de nuestros hijos y respetamos a nuestras mujeres, somos honrados en los negocios y moderados en nuestro vivir. Pero ahora las cosas han cambiado y los ateos del siglo XXI, se rascan los bolsillos para proclamar a los cuatro vientos que Dostoievski tenÃa razón.
Caro almajecta –
Creio eu, que creio em tudo que se possa acreditar, que acima foste pouco justo com a verdade que o Vidal tenta realçar.
Que raio!! Mais lhes valia odiar a Deus!! A questão é por demais evidente, com a ciencia todos concordamos (incluindo o Dawkins!!?? Sem dúvida que incluiria Darwin que foi movido pela pulsão da ciencia (que é talvez) e do chamamento divino…) A litania do nosso caro Nuno Ribeiro Ferreira é por demais e manifestamente injusta. Que nos quer oferecer a redenção pela ciencia como se a houvessemos renegado. Porquê!? Acaso alguém subverteu o método!!?? Propósito de absoluta inutilidade( provar a existencia ou inexistencia de Deus)(Ressalve-se que nunca, nunca me perdi pelo utilitarismo)!! Queres monumento mais desidratado!!??? O termo é correcto, correctÃssimo e sobremaneira apropriado. AteÃsmo seco, sem dúvida!
Agora vou-me acabar de remendar a mitra.
Um bem haja,
Nota-se que nunca leu nem ouviu Dawkins, ou então, apesar de muito venerar a sensibilidade da arte, não podia estar mais errado no estereótipo, pois é com um estereótipo e com uma verdade de dois bicos que os imbecis se defendem de moinhos de ventos.
Creia ou não, o artista é um rival de Deus (em parte, a sua referência).
Já Dawkins, é verdade – nem sei quem é, nem interessará a nenhum criador.