O facto do frente-a-frente entre Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa ter sido marcado por um clima mais ameno suscitou reacções negativas junto do Miguel Vale de Almeida, do Rui Bebiano e do Daniel Oliveira. Trata-se de três pessoas com posições diferentes e que votarão diversamente – o primeiro no PS, os outros dois no BE. Mas, em todo o caso, são três pessoas que entendem ser necessário aprofundar a demarcação entre PCP e BE. E em parte entendem-no porque julgam que a política se faz de clivagem e confronto, ideia que partilho. Mas, por outra parte, entendem-no porque não lhes agrada, de todo, ver BE e PCP em posições não-antagónicas – e aqui não os acompanho. No caso do MVA, o BE deveria distanciar-se do PCP em prol de uma ideia de “esquerda liberal”, na qual não terão cabimento os comunistas ortodoxos e que deverá federar o PS e o BE, com o primeiro a liderar. No caso do DO, o apelo à distância faz-se em nome de um futuro programa reformista de esquerda, que o BE deverá formular tendo os socialistas e não os comunistas como os seus interlocutores privilegiados. No caso do RB, o seu apelo à distância entre BE e PCP faz-se em nome da necessidade de rompermos com o legado marxista-leninista do século XX. Julgo compreender as três posições, mas discordo de todas. Creio partilharem um sentimento anti-PCP que estreita o horizonte de possibilidades que imaginam para o futuro da esquerda em Portugal. Em relação às razões do MVA, não creio que o voto dos deputados PCP tenha faltado à “esquerda liberal” a que ele se tem referido, pelo menos que tenha falhado mais consistentemente do que o voto dos deputados PS. Isso é particularmente claro a nível de “costumes” e basta recordar o voto do PCP a favor do casamento homossexual – os comunistas ortodoxos podem ser tidos como simples conservadores, mas o seu conservadorismo foi simplesmente mais progressista do que o da esquerda moderna do PS, que dizia, há poucos meses atrás, não estar o país preparado para o casamento homossexual. Em relação às razões do DO, não creio que o PCP esteja menos vocacionado para protagonizar uma política reformista de esquerda do que estará o BE, nem que esteja mais distante de vir a ser parte de um governo do que o BE; além disto, aquilo que no PCP mais desagrada ao DO (questões de política internacional e modelo de democracia interna), é problema que não encontrará melhor solução no espaço do PS . A social-democracia e o marxismo-leninismo têm uma história de contradições e atritos infindáveis, mas também têm uma história de aproximações e afinidades, em ambos os casos predominando uma concepção centralista de organização do partido, nalguns casos tratando-se de centralismo democrático, noutros de centralismo e ponto final. Em relação ao RB, a questão é mais complicada, pelo menos a julgar pelo sítio em que eu próprio me posiciono: por um lado, encontro nele uma pulsão anti-PCP que indicia (?) uma pulsão anti-comunista tout court; por outro, estou de acordo com a necessidade em romper radicalmente com o legado do marxismo-leninismo. Creio, porém, que essa ruptura pode ser feita com – e não contra – os próprios marxistas-leninistas, porque esta ruptura tem mais condições para suceder a partir da tradição do comunismo do que renegando a essa mesma tradição. Romper com o marxismo-leninismo mas admitir dialogar com a social-democracia não resolve nenhum problema – nem a estratégia de classes contra classes nem a estratégia de frente popular respondem ao desafio de uma nova concepção do poder, distante da forma-estado e da forma-partido, e à qual o RB tem por vezes dado eco. Ou seja, vejo a amenidade do encontro entre PCP e BE como o possível princípio de algo positivo. À esquerda, temos debatido estas eleições demasiado presos à figura de um determinado eleitor – um eleitor imaginado amiúde e cuja numerosa existência os vários comentadores não parecem tentados a colocar em causa. Trata-se aí do eleitor situado entre o PS e o BE, eleitor ao qual o PS tem dirigido muitos dos seus apelos de “voto útil”. O debate entre Jerónimo e Louçã, todavia, trouxe à cena um novo eleitor – digo eu, suspeito me confesso, na medida em que refiro um eleitor em cuja figura me revejo genericamente. Independentemente de serem inúmeras as razões que terão levado Jerónimo e Louçã a não se confrontarem como dois gladiadores romanos, razões tácticas seguramente pesaram para que assim sucedesse: ambos os líderes, cientes do que diferencia os seus partidos, terão achado que o seu potencial eleitorado, independentemente de vir a votar num ou noutro, nutre um mínimo de respeito político por cada qual. Tratar-se-á de um eleitorado que entende não haver muito mais a esperar do bipartidarismo até hoje reinante e que, não julgando necessariamente que PS e PSD são uma e a mesma coisa, conclui que à diferença entre estes importa, isso sim, acrescentar uma nova diferença, uma terceira margem. O que faremos com esta possível nova diferença é outra coisa, sendo que não será de todo idiota falarmos de novas dinâmicas partidárias. E, sobretudo, de novos e renovados movimentos políticos e sociais, à margem da política institucional.
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