Não morro de ódio nem de amor por José Sócrates. E, ao contrário dos seus biógrafos de serviço, nunca procurei descobrir o seu verdadeiro ser. Entretanto, interesso-me pelos Sócrates que vão sendo inventados aqui e ali. Se não se cair na tentação mesquinha de procurar descobrir o que é falso ou verdadeiro nesses retratos, dá para ir compreendendo alguma coisa acerca do estado do tempo. O autêntico Sócrates, estou certo, há-de estar algures pelo meio, entre a Beira Baixa, a Universidade Independente e o Palácio de São Bento, a montante e a jusante de todas as suas representações, sempre em bolandas, a deixar de ser aquilo que é para passar a ser uma outra coisa. Como todos nós, diga-se, muito embora o facto da nossa personalidade não ser objecto de culto contribuir para que a nossa instabilidade seja mais óbvia e por isso menos assinalável. Interessam-me então os vários Sócrates porque eles dizem tanto ou mais acerca de quem retrata do que acerca de quem é retratado. Veja-se o Sócrates do “voto útilâ€. É uma imagem penosa. Que contrasta quer com o Sócrates pré-Europeias, alguém cuja capacidade de acção perdoaria um certo e alegado pendor arrogante, quer com o Sócrates pós-Europeias, no qual se reinventaria um coração dialogante e social-democrata. O Sócrates do “voto útil†é, antes, um homem tendencialmente impotente. É o que lhe calha a partir do momento em que os seus apoiantes não o apresentam como o principal motivo para votarmos PS. O que os defensores do “voto útil†nos dizem é que o motivo para votarmos no PS não é o PS mas sim Manuela Ferreira Leite e os espÃritos malignos que ela encarna. O que talvez seja dar demasiada importância a Ferreira Leite e reduzir Sócrates a menos do que o próprio merecerá.
Entre os apoiantes de Sócrates, há também, é claro, quem nos tente convencer de que devemos votar no homem porque ele é inimputável. No caso desta linha de argumentação, temos uma “corrente quente†e uma “corrente friaâ€. Segundo a “corrente quenteâ€, tratar-se-ia de um louco, furioso, desmedido, incontinente, que em desespero de causa se vira para o eleitorado de esquerda e grita bem alto: “agarrem-me se não eu faço um governo com o PSD!â€. No caso da “corrente friaâ€, trata-se de um homem que não o é, um elemento de uma máquina de poder cuja racionalidade é apenas e só cálculo e pragmatismo – sem paixão, sem princÃpios, sem ideias. Alguém tão vazio de si que se permite virar para o eleitorado de esquerda e dizer-lhe, com frieza e sentido matemático extremo: “se não me dão o poder de uma maioria absoluta, logo alinharei com o vosso pior inimigo!†(e aqui se percebe que quem argumenta em prol do “voto útil†sabe perfeitamente que quem se encontra à esquerda do PS guarda uma distância maior em relação ao PSD do que aquela que guarda o próprio PS). Em qualquer dos casos, corrente quente ou corrente fria, a inimputabilidade de Sócrates deixa sempre uma pergunta por responder: se o bloco central é um cenário tão monstruoso quanto verosÃmil, não será mais aconselhável não entregarmos o nosso voto a um dos dois partidos que incorporará o possÃvel monstro? O bloco central representa o monstro contra o qual deverÃamos votar no PS, dizem-nos, mas para que a ameaça seja verosÃmil também têm que admitir que esse mesmo PS em quem devemos votar poderá vir a ser parte do monstro que desejamos eliminar. Um tipo começa o dia 27 de Setembro decidido a votar PS contra o Bloco Central mas pode acabar o dia a concluir que votou no Bloco Central. Isto é o que é suposto comprarmos?
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“Um tipo começa o dia 27 de Setembro decidido a votar PS contra o Bloco Central mas pode acabar o dia a concluir que votou no Bloco Central.”
Só mesmo um tipo muito distraÃdo cai nessa. Vote seguro, escolha a CDU!
Ó Zé Neves, falta apenas responder a uma questão: acha mesmo que que os portugueses de hoje têm clarificada ou clarificadas quaisquer diferenças entre PS e PSD para não terem já percebido que a única forma de estes governarem de forma minimanete decente e governarem enfraquecidos? Ambos? É que, como Borges foi dizendo enquanto por cá andou, o pessoal, de tão habituado a pensar por imagens, esquece que existe uma coisa tão pão e água como a dialéctica!
o P”S” é o partido “chiclete mastiga, deita fora” como na canção dos Táxi. O socrates é apenas um mau condutor.
Voto inútil é no P”S”.
É preciso votar na CDU !
Quem vota num partido tem que saber o que vão fazer com o seu voto. Não pode estar sujeito a presenciar, impotente, a alianças oportunistas e arranjos de ocasião.
O caso do PS é o mais problemático devido à posição central que ocupa no espectro partidário. Quem votar no PS tem que saber se eventualmente está a contribuir para um governo do “bloco central” ou para um governo de esquerda influenciado pelo BE ou PCP.
Enquanto a alianças não forem claras antes da votação qualquer aliança pós-eleitoral carece de suporte democrático e pode mesmo constituir um grave embuste polÃtico.
Devemos exigir que os partidos clarifiquem como e com quem vão aplicar o programa que propõem
Certeira, a referência ao Bloco Central. Radica aqui o dilema deste PS que não tem condições para pedir a maioria absoluta mas não tem discurso para pedir a maioria relativa.
É que esta implica sempre a apresentação de soluções governativas e sabemos bem que aquela que não é mencionada é porventura aquela que nos calhará na rifa no pós-27 de Setembro: o Bloco Central.
E não se trata apenas de questões de «governabilidade»; basta olharmos para um indicar relativo a esta última legislatura para darmos uma outra espessura a tudo isto: o PSD foi o partido que mais votou favoravelmente as propostas do PS (seguido do CDS/PP).
Mas o texto do Zé Neves toca ainda num ponto curioso, quando associa o «voto útil» à impotência. Não podia estar mais de acordo. Sempre que vem à baila essa questão lembro-me de uma frase do Eduardo Prado Coelho (porventura respigada a outro): «o útil sem o inútil é ainda mais inútil». Nem mais.
podes tentar mete-lo no cu
É injusto, Zé Neves: limitei-me a citar um parágrafo disto e não param os ataques… Parabéns pelo post.
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