A vida de uma agência de comunicação não é fácil. Às vezes há desafios quase impossíveis, como “vender” um candidato imprestável. Aí é que está a verdadeira criatividade. Não fossem estas pequenas agruras, era só facturar. Confesso que estávamos a desesperar: sempre que a criatura falava era um desastre. Insistia em fazer orações de sapiência, irritava-se com qualquer reparo. Fazia um ar amuado de quem era obrigado a descer à terra e explicar aos incréus as pequenas verdades da vida, longe do entendimento do comum dos mortais. O problema é que os sermões professorais resultavam mal. Para além da fidelidade canina ao governo, o candidato não tinha nada a oferecer. Quando não estava a defender o grande líder, respondia a tudo com “É a Europa”. Há desemprego? “É a Europa”. E o futuro? “É a Europa”. O que se discute nestas eleições? “É a Europa”. A crise em Portugal é da responsabilidade do governo? “É a Europa”. Que horas são? “É a Europa”. Um desastre. Os entrevistadores preocupados bem se esforçavam a dar o triplo do tempo ao candidato nos debates, mas a mensagem não passava. Chegava a parecer que seria melhor o homem estar calado. Estávamos metidos numa alhada. As sondagens não eram animadoras. Estava muito em causa: a derrota do obscuro professor podia colocar em causa a unidade de betão em torno do grande líder. Perdida as primeiras eleições, muitos apoiantes do chefe podiam começar a fazer contas à vida e na primeira curva despachavam o homem providencial. Ora, os nossos mais de cem clientes não estavam nada agradados com essa perspectiva. Já se tinham afeiçoado à criatura. Tinha as suas limitações, mas era um tipo que sabia ser útil ao progresso.
Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Foi mais ao menos assim que tudo se resolveu. Estava no meu aquário a dormitar, espreitando para a televisão e para um temeroso grupo de colaboradores a trabalharem, quando o “clic” se deu. Na televisão passava a corrida do Benfica, dois tipos levavam uma cruz com o Luís Filipe Vieira com cornos, um tipo não gostou e partiu a cruz e deu uns pontapés aos engraçadinhos. Aquilo caiu mal na TV. No local, a coisa quase não existiu, foi apenas um palerma que bateu nos homens, sob a indiferença quase total da turba que corria. mas as câmaras tinham feito de uma pequena escaramuça, “a pancadaria na corrida do Benfica”. Olhei para o Tó e perguntei-lhe: “ouve lá, não era por esta data uma manif de comunas?, o dia internacional do colaborador….. não, do trabalhador”. Rapidamente, a ideia ficou gizada: mandar o tipo à manif dos vermelhos e esperar que alguém lhe batesse. O drama é que isso podia não acontecer. Era pouco provável, o candidato tinha passado o último ano a entoar loas ao presidente do conselho e a insultar sindicatos, manifestantes e sindicalistas. Mas havia sempre a possibilidade de ninguém bater no homem. Um dos gestores de projecto ofereceu-se: “se ninguém bate no imbecil, sou eu próprio que lhe dou uma cabeçada, estou farto da falta de preparo daquela espécie de emplastro”. No grande dia tudo resultou bem, levado o candidato ao local do sacrifício, houve agitação, encontrões convenientemente relatados por uma comunicação social ávida de acontecimentos fortes. Nos dias seguintes, sucederam-se as mensagens indignadas. A malta do costume que quando ouvia falar em sindicatos e comunas espumava, voltou a salivar – tão previsíveis como um relógio suíço. Falou-se de coisas importantes: da defesa da liberdade, da luta contra o totalitarismo, do regime da Coreia do Norte. Encheram-se horas de emissão televisiva. O candidato ganhou alguma nobreza, uma lágrima assomava-lhe ao canto do olho, quando lhe lembravam a sua coragem contra as hordas de sindicalista ferozes que queriam fazer mal a nós , europeus.
Cá na casa estávamos felizes, embora não exultantes. Como lembrei aos colaboradores: bom, teria sido o candidato ter levado umas pancadas que o impedissem de falar durante uns tempos. Assim, não teria hipótese de estragar a campanha.
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Nuno…antes de mais um grande abraço !
Desde que regressei a Portugal que aqui venho ler (de vez em quando)o que por aqui se escreve…mas hoje não me pude conter …
não é de facto meu costume intervir em virtualidades e sempre abominei outro contacto que não o directo(de pessoa a pessoa)sem cobardes barreiras de permeio(tipo teclados e ecrans)…enfim,hoje,para alem de expressar-te a minha simpatia solidaria,gostava de te dizer;mas que ninho de viboras,que lodo com que te mesclas discutindo aqui…no nosso tempo(tempos de juventude nos finais de 70 e inicios de 80)tudo era muito mais claro,e situaçoes insultuosas como as que aqui li,resolviam-se invariavelmente á estalada(ver agolpes de nunchaku-se é que vés a que me refiro?hahaha)…criancices dirão alguns…eu digo seja oque for(ou tenha sido)era certa e seguramente mais são…seguramente “MAIS” …onde agora vejo seguramente “menos”…
Nuno,naquele tempo enfrentavas mais honra em te degladiando com os “fachos” do que agora insultadopelos “democratas”
um grande abraço
filipe
Nuno: tu assim coradinho ficas sexy.
É fácil correr daqui com este imbecil J. Pedro da Costa, muito fácil. O imbecil apenas escreve e mal sobre o Bob não sei quantos Dylan. Não sabia que queria comentar sobre outros temas; porque não sai do Dylan para comentar ou escrever no seu blogue sobre familiares cantores?
Além disso, como o pobre aqui se queixa de censura (minha), ele já sabe o qua a casa gasta. Nos meus posts nem mais uma linha. E vá fazer queixa ao partido.
O Paulo Ribeiro é outra louça.
Há uma semanas, em três ou quatro dias deixou no 5dias, não sei a mando de quem, quase 100 comentários
Trabalhadores destes é que nós gostamos (e, além disso, o SIS já anda de olho em mim há tempos – protegendo-me dos seus PSsss, ó Paulo Ribeiro: tem razão, viver em Portugal é perigoso).
Nuno, que bem esgalhado este post. Obrigada pelas gargalhadas valentes que soltei.
Agora, desculpem-me um aparte… esta picardia entre o Filipe Moura e o Vidal não era chão que já tinha dado uvas? pachorra…
Nuno, desbroncar-se assim sobre o mail do comentador não foi bonito… mas o tipo podia não ser parvo! se queria mandar bitaites melhor teria sido criar um mail específico para o efeito… há cada um, valha-me a santa!
de qq forma já aqui não vinha há algum tempo, folgo saber todos de saúde (excepção à morgada, as melhoras).
Carlos Vidal: que desespero. Calma, coisa fôfa.
Ó Pedro da Costa, gostavas era de ser considerado como Sua Exa. Paulo Ribeiro. Mas, nem penses.
Paulo Ribeiro pelo menos tem o mérito de ter mandado o SIS vigiar-me. Uma sugestão que me agrada deveras.
carlos vidal, vexa faz-me, sempre, exuberar. consegue escrever post admiráveis, estelizadamente materialistas e com uma penada de espírito para enganar os incautos. entre o seu imperativo categórico e a regra de ouro faz lembrar a piada que diz: “um sádico é um masoquista que segue a regra de ouro”. nisso, é bem melhor que o nra, ele que me perdoe, é muito previsivel, é mais do genero, todos os visitantes e comentadores deste blog são importantes como ele, por isso todos deverão ser tratados moralmente da mesma forma que o tratam a ele… especialmente a ele. no entanto, consigo, caro vidal, tenho contas a ajustar sobre um determinado assunto, não o esqueci, por isso, deixo-lhe a charada: como é que sabe as coisas que pensa que sabe? não vale responder “porque sei!”.
Como é que sei as coisas que penso que sei?
Refere-se a Caravaggio ou ao futuro do comunismo?
É que eu não tenho muitas certezas sobre aquilo que sei destes e de outros assuntos (se é que são outros os seus assuntos ou problemas).
pode ser. as duas coisas. como caravaggio “a crença” na redenção do homem comum, a vitória do espírito… deus! (da-ah! a nossa questão) no futuro do comunismo, o governo do homem comum e a negação do espírito. então, surge a questão definitiva: vidal, podemos falar destas filosofias até ficarmos com a cara azul, mas quando chegar o momento decisivo, a única coisa que quero verdadeiramente da vida é a minha casinha, o carrinho, a carteira recheada e três boas refeições por dia.