Há tantas brasileiras nos livros de Camilo e tantos camilianos no Brasil que não é senão natural que também se encontrem morgadas – e no caso a minha morgada, a morgada de V. – em S. Paulo, mesmo que só em vilegiatura. Falando do português do futuro, que é o português do Brasil, contou-me a excelente senhora um episódio que outros, sucedidos comigo, de resto corroboram: que um dia em que se achou, por descuido, perto da Sé (“sítio em que, se você vai, você tira tudo, brinco, anel, mesmo tudo”) e correu a refugiar-se num boteco escuro que foi o primeiro que encontrou, causou grande surpresa e alarido com o seu modo de falar, tanto que lhe perguntaram que língua falava, e quando ela disse português perguntaram-lhe de onde vinha, e quando disse Portugal perguntaram onde era, e porque razão se falava em Portugal português – que pela aparência imaginavam um fruto espontâneo da Terra Brasilis, uma evolução natural do tupi guarani. Esta identificação mais do que maternal do Brasil com uma língua que por acaso não se chama brasileiro é tocante; à minha morgada confundiram-na outra vez com uma francesa, a mim já me perguntaram se o meu sotaque não era italiano. Confesso que não me ofendi; não por ter italianos na família (por acaso tenho, mas isso não conta para nada), mas porque amei aquela reivindicação do português como coisa própria, e aquela insolência de pretender que esta língua cheia de história, que demorou séculos a crescer do latim e mais séculos a distinguir-se das outras línguas da Península, pudesse ter nascido e florido, ex-nihilo, no Novo Mundo. Mais ou menos como encontrar a última flor do Lácio, inculta e bela, em pleno Parque de Ibirapuera.
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Só agora deu por isso? Os brasileiros têm muito orgulho da sua língua. E sim, no liceu de lá toda a gente é obrigada a ler Gil Vicente, Camões, Eça, Camilo e Júlio Dinis.
Ibi_R_apuera
não por acaso, antónio, estar “morgado” ou “morgada” quer dizer (no brasil) estar sem fazer nada, sentir-se preguiçoso, dar-se à ociosidade. essa acepção, que em portugal se perdeu, vem certamente da imagem que os morgados tinham no portugal do século xix.
Bem-vindo, grande Rui! Vou transmitir o teu comentário à dita cuja, e pedir morigeração. Abraço, AF
“não por acaso, antónio, estar “morgado” ou “morgada” quer dizer (no brasil) estar sem fazer nada, sentir-se preguiçoso”
Sim, sobretudo cansado. “Estou morgado” em geral fala-se após tarefa que exigiu esforço. Uma aplicação (muito carioca): “Fiquei morgadão depois da pelada (jogo de futebol)”.
Ficar “morgadão” é invariável, ou admite feminino? Morgadona parece-me bem – contra os feudos, marchar, marchar. Belo post, António.
Tem “morgadona” sim, claro. “Fiquei morgadona”, disse ela.
Mas é superlativo carioca, usualmente diz-se “fiquei morgado”
Para a palavra “morgado” que significa o herdeiro mais velho, passar a ter o significado de cansado (de “morto”?)… faço ideia dos morgados de antanho. Deviam ser umas figurinhas lânguidas com buços e suíças… cheios de punhos e colarinhos, muito brancos, a suar em bicas, transportados em libré…
Está tudo muito certo e bem visto. Só há um detalhe que me parece errado: o português não evolui a partir de uma neolatina comum da península, evoluiu com raiz no próprio latim vulgar, tal como qualquer outra das neolatinas peninsulares.
Já agora, para quando a adesão ao Acordo? Está à espera que o ‘dono’ (o Estado/Governo) dê o primeiro passo?
Caro P.Porto,
V. tem razão – cada uma das neolatinas peninsulares evoluíu com base no latim vulgar falado na respectiva área territorial, a excepção será talvez o castelhano, a acreditar no William Entwistle – mas há um processo de diferenciação e delimitação progressivo e acentuado da língua relativamente aos idiomas vizinhos: o galaico-português estava significativamente mais próximo do leonês, por exemplo, do que o português está hoje do castelhano, e as fronteiras da língua, na Europa, correspondem quase exactamente às fronteiras políticas de Portugal continental (as excepções serão as zonas de Barrancos e de Miranda do Douro e a fronteira com a Galiza, a admitir que o português e o galego são duas variantes do mesmo idioma, e não obstante o facto de os galegos serem todos pelo menos bilingues).
Cumps, AF
“(as excepções serão as zonas de Barrancos e de Miranda do Douro e a fronteira com a Galiza…)”
Falta-lhe os falantes do português moribundo de Olivença (aqui está um belo tema para si, o linguicídio em Olivença, já lhe tinha encomendado antes) e também Cedillo onde parece que se fala uma espécie de portunhol mais português que espanhol.
Esqueceu-se disto (ou talvez não): “Já agora, para quando a adesão ao Acordo? Está à espera que o ‘dono’ (o Estado/Governo) dê o primeiro passo?”