Do nosso comentador/leitor Ricardo Santos Pinto, que conhece por dentro os problemas actuais da Educação em Portugal, recebemos o texto que de seguida começamos a publicar:
Maria de Lurdes Rodrigues foi professora primária. Seja porque teima em esconder esse facto do seu «curriculum» oficial (terá vergonha?), seja porque a subserviente comunicação social portuguesa nunca se interessou pelo assunto, o certo é que gostaria de saber mais sobre o seu desempenho no ensino real. Foi uma professora exemplar? Não chumbava alunos? Utilizava métodos inovadores? Tinha uma boa relação pedagógica com os alunos? Algum desses alunos se lembrará dela? Foi avaliada? E se não foi, a culpa foi sua?
À falta destes elementos, tenho de me limitar a avaliar o seu desempenho, como ministra da Educação, entre 2005 e 2008. Não tenho dúvidas de que uma grande parte da sociedade portuguesa bateu palmas à sua actuação, mas, para aqueles que vêem para lá do folclore político, o seu mandato deixou muito a desejar. Resumiria o seu mandato de três anos numa frase: uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma.
Os principais problemas do sistema educativo mantiveram-se e nada a ministra fez para a sua resolução. Os programas continuam completamente desfasados da realidade, tanto em termos de dimensão como de conteúdos. Os manuais escolares apresentam erros graves e os seus preços são exorbitantes. Continua a haver turmas com mais de trinta alunos em salas de aula sem as mínimas condições. Psicólogo nas escolas, para já não falar em assistente social, continua a ser uma miragem para a maior parte dos Agrupamentos. Continua a haver falta de funcionários e cada vez são mais os tarefeiros, que chegam a ter horários de uma hora por dia. Os Quadros das Escolas continuam sem ser devidamente preenchidos, daí a necessidade de chamar professores contratados, num processo que chega a demorar um mês (período durante o qual os alunos não têm aula à respectiva disciplina).
Podia continuar com dezenas de exemplos daquilo que devia ter sido prioritário para este ministério. Porque, no sistema educativo, nada há mais importante do que os alunos. É por eles e para eles que tudo existe. E são eles os únicos prejudicados pelas situações que referi anteriormente.
Se nestes casos o ministério nada fez para resolver os problemas, houve casos em que os piorou. Foi o caso dos cerca de quarenta mil miúdos com Necessidades Educativas Especiais que, por razões economicistas, perderam o apoio de que usufruíam. Foi também o caso dos professores do Ensino Especial, cuja especialização deixou de ser uma obrigatoriedade. Qualquer um pode encarregar-se desses alunos.
Foi o caso da obsessão pelas estatísticas. Ao ponto de facilitar até ao enjoo os exames nacionais, para se poder dizer que a sua política foi um sucesso. O objectivo, já o assumiu, é acabar com as reprovações dos alunos. Resultado: hoje em dia um aluno pode transitar sem ter nenhuma positiva. NENHUMA!
Foi, ainda, o caso do Estatuto do Aluno, que, ao contrário do que se tem dito, e ao contrário do que os alunos pensam, é muito mais permissivo do que o anterior. O anterior Estatuto, publicado pelo ministro David Justino, previa a expulsão do aluno como medida disciplinar sancionatória, no caso de esse aluno estar fora da escolaridade obrigatória. Nesse ano lectivo, o aluno ficava imediatamente retido e não podia inscrever-se noutra escola. O actual Estatuto do Aluno elimina essa sanção e a transferência passa a ser a pena máxima, mas apenas se a Direcção-Regional de Educação concordar.
Segundo o anterior Estatuto do Aluno, o Conselho de Turma (conjunto dos professores da turma) podia ser chamado a decidir da suspensão do aluno entre 5 a 10 dias. Com o actual Estatuto, essa participação dos professores, afinal aqueles que conhecem o aluno, é simplesmente revogada. A partir de agora, o Director «pode previamente ouvir os professores da turma». Nem sequer é obrigado a ouvi-los.
E depois há a questão das faltas. No Estatuto anterior, quando ultrapassavam o limite de faltas injustificadas, os alunos ficavam retidos ou eram desde logo excluídos, se estivessem fora da escolaridade obrigatória. Agora, podem faltar o que quiserem que têm direito a uma prova de recuperação, «independentemente da natureza das faltas». Ou seja, faltar porque se foi operado ou faltar porque se foi para o café é exactamente a mesma coisa. E se o aluno reprovar na prova de recuperação, ainda pode ver as suas faltas justificadas e ainda pode ter direito a uma nova prova de recuperação.
Ou seja, não interessa se os alunos se esforçam ou não, se cumprem os seus deveres ou não. Porque quem se balda obtém os mesmos resultados do que aqueles que se esforçam. Afinal, o que interessa é acabar com os chumbos.
Como é óbvio, os alunos que se esforçam, mas não conseguem, é que deviam ser apoiados com aulas de recuperação constantes às disciplinas em que têm dificuldades, em vez da fantochada que, hoje em dia, continuam a ser as aulas de substituição. Outro dos problemas criado pelo ministério que em nada veio ajudar os alunos.
É tempo perdido para os alunos, que nada aprendem enquanto estão nessas aulas. O que vêem à sua frente é um professor que não conhecem, que não respeitam e que nada percebe daquela disciplina, mesmo que leve uma ficha de trabalho deixada pelo colega em falta. Admito aula de substituição no caso de ser leccionada por um professor da disciplina. Nada mais.
Curiosamente, porque o professor tem de estar na escola um número determinado de horas, é colocado em aulas de substituição, ou então na Biblioteca, Sala de Estudo, etc.. Se está em aula de substituição e nenhum colega falta, fica na Sala de Professores, duas horas ou mais, sem fazer nada. Se vai para a Biblioteca, Sala de Estudo, etc.., nada tem para fazer, porque os alunos estão em aula ou em substituição, por isso não podem sair da sala. Não seria difícil aproveitar melhor o trabalho dos professores de forma a beneficiar também os alunos, sobretudo através de aulas de apoio individuais para todos os que precisassem.
Depois, há outras medidas que se podiam ter revelado positivas, mas a sua implementação não o permitiu. É o caso do Inglês desde a 1.ª Classe. Acontece que é uma AEC (Actividade Extra-Curricular) e, logo, não-obrigatória. Os alunos chegam ao 5.º Ano com ritmos totalmente diferentes. Alguns tiveram quatro anos de Inglês, outros não tiveram nenhum. E os que tiveram quatro anos, voltam a levar com a iniciação, como se partissem do zero – daí à desmotivação, vai um pequeno passo. Daqui a uns anos se verão os resultados.
Para além disso, muitas aulas são dadas na cantina, no ginásio, no contentor, onde quer que seja. E tudo é feito à custa de professores com recibo verde, que por vezes recebem 5 euros por hora, mas apenas as horas efectivamente leccionadas. É feriado e não há aulas? Tem de acompanhar o filho recém-nascido à consulta na Maternidade? Tem de ir ao funeral do pai? Azar, será descontado. Dir-se-á que a culpa é dos municípios, mas quem fez a lei foi o Governo.
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