Eu sou o deus do bom e do mau tempo: Janus, língua bífida, double talk, falo uma coisa e o seu contrário. Ele não há maus rapazes e até os piores algozes têm a alma sensível: Hitler afagando a sua inevitável cadela em todos os documentários da época, Himmler escutando comovidamente a Winterreise do Hans Hotter, enquanto na frente de leste as suas SS cometiam inomináveis atrocidades sobre não-sei-quantos milhões de üntermensch, a seita toda em Bayreuth, inexcedível de brilho nos anos da inexcedível barbárie, a alta-cultura & as maiores baixarias sempre fizeram bon ménage – e se não percebemos o que lhes vai por dentro a culpa é nossa, porque, depois de devidamente explicados, mesmo os piores algozes são tão somente o produto de um complexo de causas, apenas insusceptível de ser compreendido por quantos, por serem o produto de complexos de causas diferentes, adoptam um ponto de vista oposto ao seu sobre o mundo (e acham entre outras coisas que la révolution est un tout que inclui o infame panier à têtes: enquanto os coros de pioneiros cantavam o nascimento do Homem novo e homens realmente existentes se arriscavam a desaparecer na sombra sem nunca saber porquê, Brecht dizia, fora de gozo, quanto mais inocentes eles eram, mais culpa tinham): wrong number, desculpem qualquer inconveniência, é tudo um gigantesco mal-entendido. Por outras palavras, independentemente de a verdade existir e ser uma só (questão distinta da ora em apreço), as suas diferentes representações, ainda que erradas, mas se elaboradas sem consciência do erro, equivalem-se moralmente; ele não há pois maus rapazes (apenas rapazes enganados) e – inevitável consequência – tudo se pode desculpar (até os escritos dégueulasses de um Brasillach). O mundo inteiro pode assim ser visto como o vasto palco de uma tragédia que incessantemente se renova, porque a capacidade de comunicar do Homem se confronta com limites insuperáveis: porque ninguém é capaz de falar e convencer tão plenamente que o outro se torne ele próprio, nem tão pouco de ouvir e ser convencido a ponto de se tornar ele próprio o outro. Por outras palavras ainda, a vida pode ser descrita como o confronto de uma multidão de adversários sustentando cada qual o seu ponto de vista: um ou mais poderão ter mais razão que os restantes (na perspectiva de Sírius, ou da história, ou de onde quer que seja possível observar quem tem objectivamente razão) mas, eticamente falando, valem todos por igual (no intervalo da sua luta, é possível imaginá-los a jogar futebol entre as trincheiras, na terra de ninguém, mas retomando depois o seu inevitável combate como se nada fosse until the very end, porque quem possui a compreensão superior de que nem sempre é possível compreender pode aspirar à amizade, à grande e leal amizade, sem zonas de sombra nem de mera incompreensão, de quem quer que tenha do mundo a visão contrária). Confortado por esta convicção profunda, julgo ainda assim que Himmler não pode ser perdoado e que as revoluções têm de ser devidamente executadas.
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