Autor: Rui Tavares(Público, 15 Maio 2007)
1. Uma vez que Helena Matos precisou de arrastar o pingue-pongue sobre Sarkozy e a França para esta semana, aproveito para lhe responder a esta bola puxada mais em força do que em jeito. Escreve Helena Matos: “Deve ser muito tranquilizante ver o mundo assim a preto e branco, como o vê Rui Tavares: dum lado a direita má e do outro a esquerda boa. Dum lado os inteligentes e do outro os estúpidos”.
A única resposta possível é dizer-lhe que deve ser reconfortante viver num mundo em que o principal argumento contra a esquerda é apenas um, é sempre o mesmo, e ainda por cima está errado. Desde há meses que, no Público e na RTP-N, prevejo a vitória de Sarkozy e digo que ele a merece. A seguir à primeira volta escrevi aqui que “Sarkozy é sem dúvida o mais brilhante dos dois candidatos que passam à segunda volta, e dificilmente será derrotado”.
Como se vê, e ao contrário do que alega Helena Matos, eu tenho todo o prazer em reconhecer inteligência à direita. Só ponho uma condição: que a direita seja de facto inteligente. Caso contrário, a choraminguice não me comove. Muito menos, ironicamente para quem se queixa de estereótipos, a reciclagem até à náusea das banalidades sobre os “intelectuais de esquerda”. Os complexos de inferioridade não dão direito a pontos extra.
2. Antes de ser eleito, um estudante brasileiro disse-lhe que deveria aprender português para quando fizesse a primeira visita oficial ao Brasil. Ele respondeu: “ah, no Brasil falam português?”. No seu discurso de despedida, ouvi-o chamar aos EUA os “nossos mais velhos aliados”, como se não houvesse Tratado de Westminster assinado entre Inglaterra e Portugal em 1373. Para nós, Tony Blair sai como entrou: superficial. 3. Não há tempo a perder. As eleições para Lisboa são a 1 de Julho e o prazo para apresentação de coligações já terminou.
A esquerda apostou forte. Até demais. Todos os nomes que se anunciam (Helena Roseta, Sá Fernandes, Ruben de Carvalho e, segundo parece, António Costa) dariam bons presidentes da Câmara de Lisboa. O problema é o de sempre. A dispersão de votos à esquerda vai acabar por premiar quem deveria ser punido pelo que fez a Lisboa. Será premiado o PSD, que apresenta uma escolha de segunda linha complementada pelo aparelho local, e o CDS, que não encontra ninguém à altura do desafio.
Podem dizer-me que na esquerda há diferenças, que há estratégias dos partidos e dos indivíduos, que há factos consumados. Eu direi: pensar assim não é pensar em Lisboa. E comigo estarão certamente muitos eleitores. A frustração será grande se não aproveitarmos esta oportunidade. É preciso uma equipa que saiba complementar duas visões. Em primeiro lugar, defender a cidade: arrumar a casa, exigir transparência, combater a corrupção. Em segundo lugar, projectar a cidade: fazê-la mais humana, mais inovadora, mais solidária.
Isto não é tarefa para uma só pessoa ou um só partido. As candidaturas de José Sá Fernandes e Helena Roseta são quem melhor representa estas duas visões. Ambos nos disseram que a cidade é mais importante do que qualquer projecto de poder pessoal. Agora chegou a altura de provarem que é verdade. Chegou o momento de criarem uma candidatura independente, comum e aberta às ideias dos lisboetas, porque ninguém sabe tudo. Se forem capazes de o fazer, já estarão dando um exemplo de como são capazes de se sacrificar pela cidade e, ao mesmo tempo, mudar a política local. Nestas eleições, estou convencido que os eleitores serão generosos com quem souber ser generoso.
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