Autor: RUI TAVARES
(Público, 12 de Março)
Não há vantagens em ter um Primeiro-Ministro que é uma espécie de comandante-em-chefe das forças de segurança, que não pode falhar e não pode ser colocado em causa.
Diogo Inácio de Pina Manique era um leal pombalista, e com Pombal subiu desde o tempo em que foi nomeado Juiz do Crime do Bairro do Castelo, e se distinguiu combatendo os desacatos na primeira colina da capital do reino. Para o fim, o Marquês confiava tanto nele que o encarregou de reprimir um punhado de desertores que se tinha refugiado na Trafaria. Pina Manique não encontrou melhor método senão o de simplesmente pegar fogo à povoação de pescadores. Essa arbitrariedade estava ainda na memória de toda a gente quando Dom José I morreu poucas semanas depois e Dona Maria I lhe sucedeu, exonerando Pombal de imediato.
Ao contrário do que seria de esperar, Pina Manique não foi corrido pela “viradeira” anti-pombalista. Bem pelo contrário, mesmo. Teve a habilidade suficiente para adaptar o seu voluntarismo pombalista às novas realidades do regime e continuou subindo até concentrar em si todos os poderes das polícias do reino. Após a Revolução Francesa, soube gerir a paranóia da rainha e dos súbditos para se tornar no homem mais poderoso e temido do reino, verdadeira prova do que pode fazer a alavanca do poder policial em épocas de instabilidade. Hoje em dia, ninguém se lembra dos nomes dos ministros de Dona Maria I. Mas todos sabem que houve um implacável Diogo Inácio de Pina Manique, Intendente Geral da Polícia da Corte e do Reino.
Duzentos e dois anos depois da morte de Pina Manique, e muitos seus sucessores de muitos regimes depois, teremos nós necessidade de um novo Intendente Geral da Polícia, perdão, Secretário-Geral para a Segurança Interna? Não é só em Portugal que a ideia de concentrar todos os poderes policiais nas mãos de um só homem tem uma triste tradição, e por isso as democracias têm encontrado outras maneiras de coordenar as polícias. Nada no restante projecto do governo – fusão de serviços, dispersão territorial, partilha de recursos – depende forçosamente desta estranha unicefalia.
Mais bizarro ainda, alguém achou que pôr o novo Secretário-Geral para a Segurança Interna sob a dependência directa do Primeiro-Ministro nos daria boas garantias. Mas substituir a imagem daqueles Ministros do Interior de má memória pela de um Primeiro-Ministro que reúne regularmente com o chefe das polícias não descansa ninguém. Não há vantagens em ter um Primeiro-Ministro que é uma espécie de comandante- em-chefe das forças de segurança, que não pode falhar e não pode ser colocado em causa.
Poderá objectar-se que o sistema não tem obrigatoriamente de sofrer distorções autoritárias, que José Sócrates não é Pina Manique, que 2007 não é
Dir-me-ão que as intenções são diferentes, que são mesmo as melhores. Não me custa a acreditar: as intenções são sempre as melhores. Mas nós não vamos viver com as intenções. Vamos viver com os resultados dessas intenções.